| CRÍTICAS | Os Excluídos

Nesta era moderna em que vivemos, em que se perdeu o direito ao ócio e vivemos a 100 à hora, são poucos os momentos de suspensão que ainda conseguimos ter. O interior da sala de cinema é um deles, se bem que a ver pela quantidade de gente que passa o filme inteiro agarrado ao telemóvel são já poucos os que se dão ao luxo de se desligar; uma viagem de avião é outro desses momentos que temos por completo para nós próprios, sem o risco de sermos interrompidos pelo exterior; e aquele período que vai dos dias antes do Natal até ao ano novo é outro. Quem nunca tentou tratar de um assunto qualquer nesta altura e chocou de frente com a imobilidade das instituições que atire a primeira pedra. Agora não vai dar porque mete-se o Natal….

Os Excluídos passa-se precisamente nesse intervalo de dias. Um grupo de estudantes, que por diferentes motivos não pode/não tem como ir a casa para as festas, necessita de ficar na escola privada de Barton, uma daquelas academias chiques tipo o Gostam Todos da Mesma. E para os acompanhar fica o professor Paul Giamatti, de quem ninguém gosta – nem sequer os outros professores – e que, também verdade seja dita, já passa a vida metido no campus, enfiado nos livros sobre a antiguidade clássica, assim como a cozinheira Da’Vine Joy Randolph, que ainda está a fazer o luto da morte recente do filho, que também era aluno na escola. É curioso como o realizador Alexander Payne faz um road movie com uma série de pessoas imobilizadas no mesmo local, com a viagem a fazer-se interiormente. Seja como for, nos road movies as verdadeiras viagens são sempre as que ocorrem dentro e não fora.

Temos então um grupo de pessoas em suspenso, todos eles encerrados no mesmo sítio, que é ele próprio também um espaço em suspensão: a escola, durante o período das férias, torna-se um espaço vazio à espera de ser ocupado. Ou seja, um não-local. O ponto de partida é o mesmo que O Clube, se bem que o teen movie de John Hughes era uma coisa completamente diferente do teen movie de Alexander Payne. Aliás, Os Excluídos passa-se nos anos 70, mas mais do que uma década, o que o filme convoca é um tipo de cinema muito específico: o da Nova Hollywood, que tomava então a indústria de rompante, o de Mike Nichols ou (especialmente) Hal Ashby, o de A Primeira Noite ou Ensina-me a Viver (e até há Cat Stevens na banda-sonora e tudo, já que referimos este último) – filmes sobre pessoas e sobre sentimentos, traumas e dilemas existenciais, filmes em que a condição humana se tornava no tema e no letimotiv do próprio cinema.

Uma sucessão improvável de acontecimentos vai emagrecer o grupo, que no final vai ficar reduzido a três: Paul Giamatti e Da’Vine Joy Randolph, de quem já falámos acima, e Dominic Sessa, uma estreia absoluta que é provavelmente a maior conquista de Os Excluídos. Sessa é um adolescente que fica para trás, com uma mãe recém-divorciada demasiado ocupada a construir uma nova vida com o padrasto e um pai ausente por motivos de força maior. São três personagens muito diferentes entre si, cada uma delas com os seus próprios problemas pessoais, que vão chocar tanto de frente até acabarem por construir um laço forte, que se prolongará para lá das convenções da instituição escolar. E, por isso, vão haver muitas cenas à mesa, porque já sabemos que a refeição é o momento ideal – simbólica e literalmente – para a resolução deste tipo de conflitos.

Os Excluídos vai então ser uma sucessão de episódios menores que vão possibilitando o crescimento destas personagens. No entanto, enquanto que esta construção interior é integrada e bem sustentada, a evolução do argumento já tem mais que se lhe diga. É certo que a viagem mais importante do filme é a interior, mas muitas vezes ficamos com a sensação de que alguns episódios são uma espécie de deus ex-machina que descem do céu para poder explicar qualquer coisa. São as personagens que determinam o argumento e não o contrário. E o fantasma do Vietname, que paira por todo o filme (enquanto trauma colectivo, que se materializa na perda do filho de Da’Vine Joy Randolph e na ameaça permanente na vida de Dominic Sessa, porque caso este seja expulso de Barton irá acabar na academia militar e daí até à guerra é um passinho), é um bom exemplo de algo que é anunciado constantemente, mas que nunca se cumpre realmente.

Os Excluídos é um filme de personagens e estas fazem-se a partir dos seus actores. E se já falámos da revelação que é Dominic Sessa, falta mencionar Paul Giamatti, que já tinha feito um filme parecido com Alexander Payne (olá Sideways, como estás?). Giamatti chega à meia-idade e tem aqui o seu As Confissões de Schmidt, que poderá ser uma espécie de filme-charneira para o resto da sua carreira. Quanto a Os Excluídos, apesar de 5 nomeações aos Oscares, não está nem no top 3 dos melhores filmes de Payne. Não deixa de ser um óptimo McChicken na mesma e passa a ser um dos filmes de Natal para se ver nessa quadra.

Título: The Holdovers
Realizador: Alexander Payne
Ano: 2023

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