| CRÍTICAS | Priscilla

O cinema de Sofia Coppola é feito de mulheres jovens, isoladas e perdidas na sua própria vida, muitas vezes presas numa gaiola de ouro. Priscilla Presley não é muito diferente de Maria Antonieta, outra das personagens de um dos seus filmes anteriores: uma jovem que tinha tudo, excepto aquilo que realmente precisava.

Priscilla é o biopic de Priscilla Presley durante o período em que esteve com Elvis – desde que se conheceram na Alemanha, onde o seu pai estava destacado na mesma base que o Rei do Rock – e que procura resgata-la da sombra do marido. Começa logo pelo título. Enquanto que o livro de memórias (que também deu origem a um telefilme nos anos 80) se chama “Elvis e eu”, Sofia Coppola entitula-o simplesmente Priscilla, dando-lhe nome próprio e renegando por completo o título de esposa do outro. E depois procura ilustrar a relação de ambos através dos olhos dela.

O que recebemos é um filme sobre uma jovem controlada e manipulada desde os seus 14 anos por aquele que era o homem mais famoso do mundo. Alguém menciona a palavra grooming e isso não podia ser mais pertinente em 2024 (já viram o documentário da Evan Rachel Wood sobre a sua relação com Marilyn Manson?). Priscilla estava casada com o homem mais desejado do mundo, mas aquela que parecia ser a cadeira de sonho era afinal a tal gaiola dourada de que falei no primeiro parágrafo. Priscilla passava os dias sozinha em Graceland, enquanto Elvis andava a filmar os musicais manhosos que o coronel Tom Parker arranjava, sem poder receber visitas e a ler os alegados romances extraconjugais do marido pelos jornais.

Quando estava em casa, Elvis era manipulativo e caprichoso. Priscilla vivia num mundo cheio de testosterona e masculinidade tóxica, com a trupe toda do marido e as anfetaminas abundavam. Além disso, era também um mundo de repressão sexual, já que Elvis recusou-se a tocar-lhe até ao casamento. Será que alguém já alguma vez deu esse manual de marialvismo que é “O Delfim” a ler à própria?

Sofia Coppola monta um filme quase sensorial, em que a música da banda-sonora dá o tom constantemente: muito doo-wop e girls groups durante a fase inicial de deslumbramento, muito dream pop para quando o sonho começa a ruir. Não admira que uma das melhores cenas do filme seja a sequência em que Priscilla e Elvis experimental LSD pela primeira vez. É capaz de ser a melhor trip do cinema desde Destino: Woodstock. De referir que o filme não tem qualquer tema do próprio Elvis na banda-sonora, porque a família recusou ter qualquer coisa a ver com o filme.

Também a filha, Lisa Marie, que foi produtora executiva, acabou por renegar o filme, acusando-o de só denegrir a imagem do pai. E, por um lado, tem uma certa razão. Para um filme que queria dar corpo e voz a Priscilla Presley, Elvis acaba por ser quase o protagonista, atirando muitas vezes a esposa para uma posição secundária dentro do seu próprio filme. É cero que Coppola reduz ao mínimo as informações sobre a vida do Rei e só os conhecedores da sua carreira vão perceber algumas referências, mas muitas vezes ficamos a pensar que, para isso, já havia Elvis and Me.

Priscilla é um filme sobre. alheamento, mas acontece amiúde Sofia Coppola deixar escapar a sua retratada por entre os dedos. É uma matéria que já trabalho melhor (As Virgens Suicidas continua a ser o seu melhor título), mas mesmo assim este Double Cheeseburger é melhor do que o Somewhere – Algures.

Título: Priscilla
Realizador: Sofia Coppola
Ano: 2023

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