| CRÍTICAS | A Zona de Interesse

A Zona de Interesse é o mais consensual filme sobre o Holocausto desde O Filho de Saul, filme que, curiosamente (ou não), também venceu o mesmo Oscar. Esta é uma temática arriscada, já que a linha que marca a fronteira com a exploração gratuita do tema é ténue. Talvez por isso, o realizador Jonathan Glazer sentiu a necessidade de, quase no final, derrubar as paredes do dispositivo filmico e mostrar o que é actualmente o museu de Auschwitz, ancorando o filme à realidade e mostrando-nos a banalidade do mal, espelhada de forma irónica no pessoal de limpeza que mantém as instalações. É uma decisão que funciona nas duas direcções, já que, por outro lado, vai acabar também com a suspensão na descrença para sublinhar o óbvio.

Bem mais interessantes são os outros momentos em que Glazer abandona o registo formal e quase voyeurista do filme em detrimento de uma abordagem mais criativa. Num deles filma uma jovem que, durante a noite, vai espalhando comida para os judeus de Auschwitz, numa sequência nocturna completamente filmada com imagens térmicas de alto contraste. Noutra, logo a abrir, mantém a tela negra e entra o filme à música de Mica Levi, que nos deixa logo desconfortáveis com os drones em crescendo. E noutro, a meio, torna o ecrã em vermelho sangue, tão inesperado quanto simbólico.

A Zona de Interesse conta a história de Rudolf Höss, o comandante que geriu Auschwitz com grande eficiência. Höss (Christian Friedel) vivia com a mulher e os dos filhos numa bucólica vivenda paredes meias com o campo de concentração. O filme, que nunca mostra o interior daquela máquina de morte, podia assim ser apenas a história de um burocrata a braços com as dificuldades do seu trabalho e como isso se reflectia na sua vida doméstica. Mas o espectador não é um invólucro vazio e todos sabemos o que se passava por detrás daqueles muros. Por isso, os gritos que se ouvem ao longe, os tiros que soam de quando em vez ou o fumo escuro que vai saindo da alta chaminé ressoa em nós de forma intensa.

Jonathan Glazer filma A Zona de Interesse à distância, com planos bem abertos de conjunto, que acompanham toda a acção como se estivéssemos a ver um reality show tipo Big Brother. Ou então como se estivéssemos a ver aqueles filmes austríacos de Ulrich Seidl ou Michael Glawogger, onde as caves e os mitos também escondem barbaridades sob uma capa de normalidade. A Zona de Interesse é o melhor McBacon sobre o Holocausto desde O Filho de Saul.

Título: The Zone Of Interest
Realizador: Jonathan Glazer
Ano: 2023

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