| CRÍTICAS | Sasquatch Sunset

Para quem não nasceu nos anos 80, é difícil de explicar o tipo de fenómeno que foi A Guerra do Fogo. O filme tinha sido um êxito de bilheteira mundial (para além de ter sacado todos os Césares do seu ano) e, por isso, sempre que dava na televisão era um acontecimento. Além disso, tornou-se num filme que os professores começaram a mostrar nas suas aulas, por cruzar cruzar drama e rigor científico(lol). Quanto a nós, que éramos adolescentes na altura e que estávamos a levar doses maciças de violência estilizada de Hollywood, que consumimos às pazadas nos clubes de vídeo, víamos A Guerra do Fogo como uma bizarraria, com uns macacóides que grunhiam. Nunca tínhamos visto um filme que não fosse falado em inglês, quanto mais um que não tinha diálogos sequer. E, mesmo assim, não perdíamos uma oportunidade de ver A Guerra do Fogo. Afinal, havia muitas maminhas ao léu.

Sasquatch Sunset, de certa forma, é um primo de A Guerra do Fogo, mas que leva a palavra bizarria a níveis estratosféricos. O filme de David e Nathan Zellner acompanha em registo quase etnográfico (Jean Rouch ficaria orgulhoso) o dia-a-dia de uma família de… pés-grandes. É uma existência mais ou menos banal, em busca de comida, abrigo e de satisfação das outras necessidades primárias (se perceber o que quero dizer, wink wink), com umas criaturas humanardes que grunhem e gritam para comunicarem.

E, no entanto, o filme consegue ainda ser mais qualquer coisa. Utilizando apenas a linguagem corporal das criaturas, David e Nathan Zellner conseguem criar uma linha narrativa convencional que nos permite acompanhar o filme, ao mesmo que tempo que a banda-sonora weird-folk dos Octopus Project cria um ambiente meio onírico, meio pastoral, que lhe fica bem. Há momentos que Sasquatch Sunset nos remete para a sensação mais básica de ver e ouvir, sem ter grande coisa para dizer. E isso é um elogio. Esse tom reflexivo é ainda reforçado com imagens de paisagens bonitas e muitos animais no seu lufa-lufa (um vestiário que vai dos insectos até um territorial felino).

Essa é a melhor parte de Sasquatch Sunset e, por momentos, acreditamos que vamos entrar ainda mais fundo nos territórios de A Guerra do Fogo. Só que David e Nathan Zellner retiram todos os filtros ao filme e, subitamente, já não são só as necessidades mais básicas e primárias daquelas criaturas que estamos a acompanhar. Há toda uma colecção de fluídos para as quais não estávamos preparados e que, por vezes, nos fazem questionar no que estamos realmente a ver. Sasquatch Sunset é um dos mais inusitados McChickens dos últimos enjoos e, por vezes, pode até nem ser dos mais saborosos, mas é sem dúvida um dos mais inesquecíveis.

Título: Sasquatch Sunset
Realizador: David Zellner & Nathan Zellner
Ano: 2024

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *