| CRÍTICAS | The Bikeriders

Os motards e a idolatria da mota têm o seu espaço próprio no cinema, criado por apenas dois filmes, separados por pouco mais de 15 anos: O Selvagem, em 1953, e Easy Rider, em 1969. Não deixa de ser curioso (coincidência?) que o novo The Bikeriders, filme da mesma família, apareça balizado por ambos no tempo – é uma safa que segue o mesmo grupo de motas ao longo da década de 60 – e que até os refira a ambos directamente.

Os Vandals é o nome do grupo fundado por Tom Hardy, em Chicago, depois de ficar marcado pelo filme de Marlon Brando e dramatiza, de forma livre, os Outlaws. Esse grupo ainda hoje existe e rivaliza com os Hell’s Angels, talvez o mais popular bando do género em todo o mundo já que saltaram as fronteiras norte-americanas. No entanto, os Outlaws foram um dos fundadores dos grupos de motards como hoje os conhecemos e tiveram direito a um livro seminal, intitulado precisamente The Bikeriders, em que o realizador Jeff Nichols se baseia para criar esta história.

Nichols tem trabalhado ao longo da sua curta filmografia uma certa ideia alternativa do sonho americano, mais nas margens, e explorado o património da americana, mas mais longe dos seus ideais romantizados ou idealizados. Por isso, The Bikeriders não tem nada a ver com qualquer mito fundador, sendo antes uma história de passagem de testemunho e uma saga sobre um ciclo temporal que se fecha e que leva necessariamente a mudanças, tanto estruturais quanto pessoais.

Na saga dos Vandals há três personagens centrais. Tom Hardy, no seu estilo cabotino de sempre, mas finalmente numa prestação em que podemos dizer sim senhor, é o fundador e líder carismático do grupo; Austin Butler é o verdadeiro rebelde sem causa, que literalmente não quer saber das consequências e, por isso, é aquele tipo que tidos os outros motards querem ser lá no íntimo; e Jodie Comer, a mulher deste último, assume o papel de narradora, já que é ela quem vai contar esta saga ao jovem fotógrafo que está a preparar um livro sobre o bando e que encarna assim o próprio Danny Lyon.

The Bikeriders está para as motas assim como Quase Famosos está para o rock n’ roll, na forma como capta com grande nostalgia um específico período de tempo. E como é que podemos sentir falta de uma época que nunca vivemos? Isso acontece porque estamos a falar de contextos com uma forte mitologia enraizada na cultura popular e nas memórias colectivas, que todos conhecemos mesmo que não tenhamos estado lá. Aliás, já sabemos o que diz a sabedoria popular: se te lembras dos anos 60 é porque não estiveste lá. Assim, The Bikeriders não tem que criar nada, limitando-se a cavalgar a onda e a desfrutar da viagem.

E, tal como em Quase Famosos, isso ajuda a ultrapassar as falhas do argumento, com personagens que ficam por explorar ou relações que mereciam outra abordagem (Norman Reedus é o caso mais flagrante, sendo quase um figurante de luxo, que não acrescenta nada ao filme além de uma cara conhecida). Nada de significativo num McBacon bem escorreito, que logo a seguir nos faz ir rever O Selvagem.

Título: The Bikeriders
Realizador: Jeff Nichols
Ano: 2023

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