| CRÍTICAS | A Substância

A grande vitória de A Substância é o seu casting. Demi Moore, com 61 anos, continua com todos os atributos intactos que fizeram dela uma das grandes sex symbols da indústria cinematográfica dos anos 80 e 90 e, por isso, foi uma escolha perfeita para um filme em que se vai tornar, simbólica e literalmente, numa hag. É que há algo de proto-hagxploitation em A Substância, um filme sobre o medo de envelhecer, mas também sobre a fama e o mundo do entretenimento e o que significa, especialmente para as mulheres, envelhecer neste meio.

Contudo, se há coisa que A Substância não tem é subtileza. Apesar da sua sua elegância e sofisticação visual, o filme de Coralie Fargeat é totalmente o oposto e a realizadora vai se deliciar em o esfregar na nossa cara. Não que isso seja necessariamente uma coisa má. E quando é que começamos a falar sobre esta tendência recente do cinema francês em explorar o cinema de género para falar de coisas mais sérias? Julia Ducournau, ao arrecadar uma Palma D’Ouro com Titane, pode ter aberto uma caixa de pandora.

Em A Substância são notórias as influências da realizadora Coralie Fargeat e a primeira é até a mais evidente de todas: Stanley Kubrick. O filme arranca de forma altamente estilizada e com aquele nacionalismo muito kubrickiano, mas nem sequer era preciso dizer porque logo a seguir há referências directas aos padrões da alcatifa ou à casa-de-banho escarlate de Shining. Depois Fargeat começa a colocar algumas pedrinhas nessa engrenagem e a contaminar esse estilo com uns grandes planos de bocas a mastigar, fluídos e outras coisas mais ou menos grotesco, mas tudo parece sempre mais sensacionalismo barato para causar repulsa do que propriamente uma estratégia estilística ou estética.

Demi Moore é então a cara de um popular programa televisivo de ginástica, uma espécie de Jane Fonda de um futuro distópico não muito longínquo, prestes a ser dispensada por ser demasiado velha. É o tal prazo de validade das mulheres no mundo do entretenimento (no mundo em geral?) de que falava no primeiro parágrafo. Por isso, não será de admirar que Moore não resista à tentação de experimentar uma substância secreta e experimental que lhe chega às mãos de uma forma tão forçada quanto pouco previsível.

A Substância é então um soro que cria uma versão nossa mais nova e melhor. Começa aqui a pequena loja de horrores de body horror, que faz com que A Substância seja colado inevitavelmente a David Crononberg. Não é da costela, mas sim da coluna vertebral de Demi Moore que nasce Margaret Qualley, a sua versão rejuvenescida e aprimorada, com um corpo tão perfeito que até mete raiva. Não admira então que a realizadora explore esse corpo de forma quase pornográfica, nas tais cenas de ginástica no programa de televisão.

Mas há um senão na Substância. É que, para continuar a funcionar como deve de ser, cada corpo precisa de ficar, à vez, a recarregar durante uma semana. Qual então a vantagem de uma pessoa tomar um soro e nascer um clone igual à gente mais novo, se depois ficamos uma semana de cada vez adormecidos? E isso é fazível, ou seja, posso ausentar-me do trabalho durante uma semana sem ninguém saber? E os corpos partilham consciência? Parece que sim, mas na prática o filme diz-nos que não. Então para que serve mesmo a Substância?

No fundo, a Substância é apenas um pretexto para uma versão moderna de O Retrato de Dorian Gray, por isso é suposto não pensamos muito no resto. Ou seja, se conseguir desligar-se disso, vai então entrar num comboio-fantasma que o levará por uma viagem cada vez mais negra. É que Margaret Qualley vai começar a gostar demasiado da sua vida para passar uma semana de cada vez a recarregar, começa a manter Demi Moore adormecida e a alimentar-se dos seus fluídos vitais até esta se transformar num monstro disforme que parece o do final do Men, de Alex Garland.

A partir daí, Coralie Fargeat atira o argumento às urtigas e acaba-se a sensibilidade ou a subtileza. A Substância não se limita a dizer-nos todas as ideias que tem para nos dizer, mas faz questão de as gritar na nossa cara, a poucos centímetros de distância. Esqueçam Kubrick ou Cronenberg, no último acto o filme mergulha completamente nas demência gore de Peter Jackson (foram gastos mais de 130 litros de sangue falso!) e já é algo completamente diferente. Se há algo de que não podemos acusar Fargeat é de falta de ambição em fazer algo novo e diferente. É certo que falhou e A Substância é um Hamburga de Choco com pouco sentido, mas é um filme obrigatório para se ver, de que nunca nos vamos esquecer. Mais valem 10 falhanços destes, do que 100 filminhos bem comportados.

Título: The Substance
Realizador: Coralie Fargeat
Ano: 2024

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