| CRÍTICAS | O Corvo

O Corvo é um herói que, por mais mal que corram os filmes que vão sendo feitos, continua a ser bastante acarinhado pela comunidade cinéfila. Mas as verdades são para se dizerem e que cá sou tão frontal que daria um bom participante de um Big Brother: é que até o filme bom… não é propriamente bom. Infelizmente, O Corvo tem uma dose extra de crédito junto da comunidade cinéfila por causa da parte trágica com Brandon Lee. Não é que seja mau, mas também não é propriamente bom. E todas as outras sequelas são lixo. Ainda no outro dia aqui escrevi sobre a sequela menos má, O Corvo 3 – Pena Capital.

O novo O Corvo procura então fazer reset ao franchise e começar de novo, não tendo propriamente nada a ver com o filme de Alex Proyas. Aqui, o protagonista é Bill Skarsgård, que se não se puser a pau se arrisca a transformar num novo Johnny Depp (e isto não é um elogio), onde só faz personagens que sejam bonecos. Skarsgård é um tipo traumatizado (aparentemente) por um episódio com um cavalo ferido em arame farpado, que se encontra institucionalizado. E digo aparentemente, porque essa cena surge-lhe um par de vezes em flashbacks, para logo a seguir desaparecer de vez e sem nunca ser mencionada, explicada ou contextualizada. Fica a cargo do espectador tirar as suas próprias ilações.

O Corvo de Bill Skarsgård lembra o Joker de Jared Leto, com todas as suas tatuagens e aspecto punk-millenial. Mas essas semelhanças são só visuais e estéticas, porque Skarsgård é mais traumatizado, silencioso e sofredor. Felizmente, este está prestes também a conhecer a sua Harley Quinn, quando entre para a instituição de reabilitação FKA Twigs, uma jovem que tem um passado sombrio metida com uns criminosos com poderes paranormais ou demoníacos ou que raio é aquilo que eles fazem. Os dois vão-se encontrar e complementar um ao outro e até fugirem para tentarem uma vida a dois vai ser um pequeno pulo.

Se o franchise de O Corvo sempre teve algo em comum (além da fraca qualidade da produção) foi a sua costela gótica. Era aí que Proyas ganhava no filme original, de 1994, uma espécie de neo-noir hiper-estilizado. Aqui, a ideia do realizador Rupert Sanders de gótico é encher a banda-sonora de Joy Division, Gary Numan, os Traits ou… Enya. Sim, a cena fundamental do filme é ao som dos Enya(!).

Entretanto, já vamos em mais de 1 hora de filme e O Corvo ainda não começou verdadeiramente. Eis então que a coisa arranca. Surgem os mauzões, liderados por um tipo que é um demónio(!) (Danny Huston) com… um esquema qualquer milenar que envolve cantoras e música que faz despertar em nós um lado mau (sim, é tão parvo quanto soa e nunca se percebe muito bem sequer do que se trata) e fazem-lhes a folha para que a FKA Twigs não abra a boca e revele ao mundo o que se passa (se bem que há outra testemunha fugida, mas que aparentemente ninguém procura, sabe-se lá porquê). Só que o amor de Skarsgård por ela é tão grande que regressa do mundo dos mortos, com poderes de auto-regeneração, para se vingar.

Rupert Sanders tem medo que o espectador não perceba por que é que um tipo há de ressuscitar para se vingar e sente a necessidade de explicar essa parte paranormal. Assim, cria uma espécie de limbo, que é uma estação de comboios abandonada(!) cheia de corvos (parece ali o terminal do Barreiro) e onde há um tipo (David Bowles) que explica tudo através de one liners espirituais e profundas, como sometimes the crow can bring a soul back to put the wrong things right. Isso tem a ver com o facto do público-alvo de O Corvo serem adolescentes, já que esta é uma versão juvenil do herói, cheia de teenage angst, ideal para miúdos a sofrer os excessos da puberdade, que encontram um escape nas letras do Robert Smith e do Ian Curtis ou na poesia do Baudelaire ou do Verlaine. Aliás, até há uma cena em que FKA Twigs está a ler muito pertinentemente Bauldelaire.

Finalmente, depois de hora e meia de filme, lá Bill Skarsgård coloca a maquilhagem à Corvo e vai em busca de vingança. E, mais uma vez, o filme se transfigura noutra coisa. De repente, entramos num action movie hiper-sanguinário e desnecessariamente gráfico (se bem que, tenho que admitir, há umas mortes bem fixes), que parece uma sequela do Contra Todos. O body count começa a rolar sem parar, os corpos vão-se empilhando e voltamos a duvidar de que estamos mesmo a ver O Corvo. No final, fica a porta aberta à sequela, mas depois deste Pão com Manteiga é provável que isso não venha a acontecer.

Título: The Crow
Realizador: Rupert Sanders
Ano: 2024

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