| CRÍTICAS | Flow – À Deriva

Quem já foi a Riga, a capital da Letónia, viu certamente a Casa do Gato, uma habitação famosa no centro histórico da cidade que tem duas estátuas de uns gatos pretos ariscos no topo. São várias as lendas urbanas à volta daqueles animais, nenhuma delas suficientemente interessante para vos contar, mas a verdade é que os gatos pretos são o símbolo de Riga e fazem parte de praticamente todos os souveniers, merchandise da cidade e mais um par de botas.

No entanto, se for hoje a Riga, há outro gato preto a dominar as atenções. De tal forma que até apareceu uma escultura dele, sentado em cima do A que forma o nome da cidade, no centro da cidade. O culpado é o realizador Gints Zilbalodis, cujo filme sobre um gato preto, Flow – À Deriva, recebeu duas nomeações ao Oscar: uma para melhor filme de estrangeiro e outra para melhor animação. Nunca a Letónia tinha chegado tão longe nos prémios da Academia e estreia-se logo a dobrar.

Flow – À Deriva é então um desenho-animado sobre um gato, um cão, uma capivara, um suricate e um secretário (uma ave de rapina de dimensões generosas) que procuram sobreviver num mundo pós-apocalíptico, onde o único sinal da presença do Homem são as ruínas que deixou para trás. Neste survivor movie, o nível das águas está a subir a uma velocidade brutal e os animais encontram refúgio no interior de um pequeno barco à deriva.

Não há propriamente uma grande história em Flow – À Deriva. E nem sequer há falas, já que não há humanos. Apesar de ser um desenho-animado com animais, não há aqui nenhuma influência da Disney e dos seus bichos antropormofizados. Todos os animais se comportam aqui como animais, salvo uma ou outra excepção por motivos dramáticos, o que faz com que pareça, por vezes, que estamos a ver um episódio qualquer de um programa da natureza, a que só falta a narração do David Attenbourough.

E, no entanto, ficamos quase hipnotizados a seguir estes animais, por vezes enfrentando grandes desafios (um animal maior que o tenta caçar, por exemplo), outra vez pequenos percalços (cair do barco parece ser uma constante na vida daquele gato), mas que no mundo daquele bichos têm igual dose de importância. Flow – À Deriva é quase uma arca de Noé e, por isso, quando “chegamos a Ararat”, há ali qualquer coisa de fábula criacionista.

Filme de sobrevivência, filme de aventuras, fábula com bichos e conto sobre a amizade, a solidariedade e a cooperação (mas com animais em vez de humanos)… Flow – À Deriva é tudo isto, mesmo sem o ser verdadeiramente. É um pequeno filme com uma animação fluída, mas sem ser propriamente renderizada, que por vezes faz lembrar aquele clássico dos jogos de computador de quando todos tínhamos um PC, que é o Another World. Pode ser que esse efeito nostalgia me esteja a toldar um pouco o raciocínio, mas gostei à brava de Flow – À Deriva, o primeiro McRoyal Deluxe letão da história do cinema.

Título: Straume
Realizador: Gints Zilbalodis
Ano: 2024

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