
Bowling Saturno é como o próprio título, misterioso. Até percebermos que Bowling Saturno se refere a um salão de bowling chamada… Saturno, o título paira sobre nós com uma certa aura de mistério, tétrico e estranho. O filme da realizadora Patricia Mazuy tem o mesmo feeling, até porque se vai revelando aos pouquinhos e apenas o mínimo indispensável de cada vez, o que lhe dá também um certo ar de David Lynch e das suas histórias bizarras escondidas sob uma capa de normalidade.
Bowling Saturno é a história de dois (meios)irmãos e cada metade do filme é dedicada a um deles. O primeiro é Armand (Achille Reggiani), o filho bastardo de um tipo que nunca conhecemos porque, quando o filme começa, ele já está a enterrar, mas a quem os colegas caçadores prestam muitas loas. É o irmão, Guillaume (Arieh Worthalter), que herda o salão de bowling do velho (e onde os caçadores continuam a teimar reunir-se), mas entre a gestão a Armand, acreditando que isso lhe trará algum sentido à vida.
É que Armand parece meio perdido e, no início, há uma cena em que se masturba de forma frustrada entre os carros de um parque de estacionamento, à chuva, que faz lembrar outra cena clássica de onanismo de Polícia Sem Lei. E esse filme de Abel Ferrara, com a sua costela existencialista, é um primo afastado de Bowling Saturno.

A primeira metade pertence então a Armand e o salão parece mesmo dar-lhe algum sentido à vida. Ajuda que o salão venha com um apartamento mobilado por cima, um carro e um cão(!), claro. Começamos então a desenvolver alguma empatia por aquele tipo. Até que ele engata uma miúda no bowling, leva-a para cima e… desfa-la em pancada. É um soco no estômago que nos amanha duplamente desprevenidos: por não estarmos à espera e por ser filmada com um realismo seco, que faz lembrar inevitavelmente a infame cena de Irreversível. Armand é um monstro.
O filme muda então o foco e a segunda parte é toda do mano. Guillaume é polícia e é precisamente ele que é destacado para o caso do serial killer desconhecido, quando os cadáveres esmurrados de jovens mulheres começam a empilhar-se. Bowling Saturno assume então a sua costela de neo-nor na totalidade – os esqueletos no armário de toda a gente, a noite e até uma femme fatale que entra em cena – Xuan (Y-Lan Lucas), uma activista que anda a acossar os caçadores -, à medida que o cerco se vai fechando em redor do salão, de Armand e até dos amigos do pai.
Bowling Saturno é um policial meio atmosférico, meio psicanalista, que nos envolve num ambiente de estranheza e que nos deixa meio anestesiados e imersos naquele universo nocturno. É um filme com uma identidade bastante particular e só isso é já mais do que suficiente para justificar o McChicken.

Título: Bowling Saturne
Realizador: Patricia Mazuy
Ano: 2022