| CRÍTICAS | Black Butterflies

black_butterflies_xlg

Quando a 24 de Maio de 1994 Nelson Mandela discursou na abertura da sessão do primeiro parlamento sul-africano democraticamente eleito, leu um poema de Ingrid Joncker, intitulado Die kind (wat doodgeskiet is deur soldate by Nyanga). De uma assentada, era o legitimar de uma série de coisas na nova África do Sul: da democracia, da tolerância, da convivência multicultural e até da cultura afrikaaner. Tudo com a leitura de um simples poema, daquela que é, quiçá, a mais icónica poeta sul-africana.

Black Butterflies é um biopic sobre a vida e obra de Ingrid Joncker (interpretada pela conhecida Carice Van Houten), mas que se preocupa mais com a vida do que com a obra. Partindo talvez do pressuposto de que o seu corpo artístico é mais conhecido, a realizadora Paula van der Oest preferiu centrar as suas atenções na vida trágica e turbulenta, que fazem com que seja muitas vezes apelidada da Sylvia Plath sul-africana.

Ingrid Joncker foi uma mulher com problemas de auto-estima, algo bipolar, com assuntos mal resolvidos com o pai – que ainda por cima era ministro da Censura do apartheid (e aqui interpretado por um ligeiramente irreconhecível Rutger Hauer) – que sempre procurou o amor e um lar. Apesar da sua relação com o também escritor Jack Cope, Ingrid nunca teve uma vida emocionalmente satisfatória.

BLACK BUTTERFLIES, (aka INGRID JONKER), l-r: Carice Van Houten, Rutger Hauer, 2011, ©Zootrope Films

Black Butterflies tem dificuldade em lidar com estas contradições e existência perturbada, perdendo-se no labirinto emocional da poetisa e deixando de fora todos os outros protagonistas. Tanto Cope como o pai (para citar apenas os mais importantes) são apenas meros figurantes, que vão apenas aparecendo e desaparecendo de acordo com os episódios do argumento.

Isto faz com que, no final, o retrato que tiremos de Ingrid Joncker seja a de uma tipa chata e insuportável, incapaz de controlar os seus impulsos sexuais. O que é injusta e tremendamente redutor. E nem sequer há a sua poesia para contrabalançar isto, uma vez queBlack Butterflies limita-se a copiar aqueles biopics de músicos e bandas, que se limitam a sublinhar a história com as suas canções. Substituam as músicas por poemas e é a unica aproximação queBlack Butterflies faz à literatura da poetisa.

Black Butterflies não faz propriamente jus ao legado de Ingrid Joncker, apesar de ninguém colocar em causa a sua boa intencionalidade. Mas de boas intenções está o inferno cheio e Double Cheeseburgers não puxam carroça.double-cheeseTítulo: Black Butterflies
Realizador: Paula van der Oest
Ano: 2011

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *