Tal como o fado, o blues – que, aliás, alguns defendem serem primos afastados – é mais do que um género musical, é um estado de alma. Não é algo muito fácil de se explicar por palavras e, por isso, a melhor forma para o compreender é mergulhar nas suas raízes e falar com os antigos. E é isso que faz Daniel Cross, indo para o interior do Louisiana – o delta do Mississippi está para o blues assim como Alfama está para o fado – e seguindo os velhos bluesman que ainda estão vivos.
Vê-se que I am the Blues é um trabalho muito pessoa que Daniel Cross utiliza para prestar tributo aqueles homens que privaram com grandes lendas , como Muddy Watters ou Howlin’ Wolf, mas que passaram ao lado de carreiras reconhecidas por qualquer motivo ou capricho do destino. I am the Blues é, portanto, um filme também sobre um determinado tempo que está a terminar. Todos os intervenientes têm mais de 70 anos, o café onde reúnem é uma espelunca prestes a ser consumida pelo tempo e a morte espreita à esquina. Inclusive, há intervenientes que não resistem ao próprio filme. Na cena mais forte do documentário, Bud Spires aparece numa cena a cantar um blues sobre a morte e na seguinte vemos a sua campa.
Sem qualquer intenção de documentar algo específico, I am the Blues não obedece a nenhuma estrutura narrativa, limitando-se a seguir aqueles velhotes e a ouvi-los falar. Há relatos curiosos sobre episódios com as lendas, considerações interessantes sobre o blues e histórias perturbadoras sobre os tempos da segregação. E há música, muita música, até porque todos eles ainda estão aí para as curvas e mandam altas bluesadas.
De todos os intervenientes, Bobby Rush será, provavelmente, o mais conhecido (menos anónimo?), tendo tocado inclusive na Casa Branca no tempo do Bill Clinton (os interessados em blues (em boa música?) também deverão conhecer Barbara Lynn). Também é o mais bem conservado, especialmente se pensarmos que já conta com mais de 80 anos. Talvez por isso assuma, intencionalmente ou não, o papel de cicerone do documentário. I am the Blues é um trabalho de amor e essa autenticidade compensa alguma dispersão em que Daniel Cross se deixa levar, justificando assim o McBacon final.Título: I am the Blues
Realizador: Daniel Cross
Ano: 2015