Foi com Aeroplano que tudo começou. Jim Abrahams e os irmãos David e Jerry Zucker criavam um subgénero da comédia – o ZAZ style, aproveitando as iniciais dos seus apelidos -, que dava uma nova definição ao humor absurdo, nonsense e slapstick. O estilo seria copiado vezes sem conta, daria azo a um sem número de variações e, como todos os fenómenos, descambaria inevitavelmente em flagelo, dando origem a uma parafernália de filmes-paródia totalmente dispensáveis.
Mas Aeroplano era, sem dúvida, diferente. E apesar das infinitas cópias e variações, não envelheceu nada mal e continua a ter piada. Aeroplano usa e abusa das piadas fáceis e secas, mas (praticamente) todas elas fazem rir. Mas é ao gozar com os códigos do cinema e com os estilos cinematográficos, que domina e entende como funcionam na perfeição, que faz o maior sucesso. E é por isso derivaria naqueles filmes-sátira que se limitam a reproduzir de forma estúpida os sucessos do momento (olá Epic Movie, olá Oh Não! Outro Filme de Adolescentes).
Aeroplano é a história de um avião de passageiros que fica sem pilotos, depois de estes tombarem vítimas de intoxicação alimentar, e cujos comandos são assumidos por um ex-piloto de guerra traumatizado por um acidente mortal. É, portanto, um filme que satiriza tudo o que são filmes de aeroporto, incluindo o tão-mau-que-se-torna-bom A Hora Zero, ao qual roubam inclusive a tirada we need to find someone back there who can not only fly this plane, but who didn’t have fish for dinner. Sim, esta fala existe mesmo e é suposto ser uma fala séria, num filme dramático! True story, bro.
Abrahams e os Zucker têm ainda o golpe de génio de apenas chamarem actores habituados a papéis sérios, o que faz com que Aeroplano funcione melhor. Na altura ninguém esperava ver Peter Graves ou Lloyd Bridges, com a sua gravidade habitual, a fazerem palhaçadas. E se Lloyd Bridges repetiria a experiência (alguém mencionou Ases Pelos Ares?), é Leslie Nielsen quem sairia daqui coroado como o Rei do Spoof, saltando directamente para os Aonde Pára a Polícia e para toda uma série de filmes semelhantes que, em Portugal, eram sempre traduzidos com a palavra Aonde como prefixo.
É certo que já Woody Allen (e, antes dele, Fellini) já falava directamente com o espectador, mas Aeroplano é o primeiro a desmontar o aparelho fílmico por completo, como quando mete Kareem Abdul-Jabbar em meta-referência à sua carreira de basquetebolista – o meu pai diz que não te esforças, diz-lhe um passageiro. Os realizadores voltariam a fazer algo semelhante, com OJ Simpson em Aonde Pára a Polícia, mas já não da mesma forma.
São vários os momentos memoráveis que ficam para a posterioridade, sendo o diálogo surely you can’t be serious. I am serious and don’t call me Shirley um dos mais reconhecíveis da cultura popular geral. No entanto, é necessário destacar Stephen Stucker e a sua personagem Johnny, com as suas saídas improvisadas e super-enfemininadas (antecipando o Chris Rock em mais de uma década), como uma das melhores coisas de Aeroplano e que, normalmente, é injustamente subvalorizado. E assim, com um McRoyal Deluxe, começava o ZAZ style.Título: Airplane!
Realizador: Jim Abrahams, David Zucker a Jerry Zucker
Ano: 1980
Depois do sucesso do primeiro Aeroplano, uma sequela era inevitável. Os próprios realizadores comprometeram-se com o filme, mas depois chegaram à conclusão que já tinham gasto todas as piadas de filmes de aeroporto e saltaram borda fora. No entanto, a máquina capitalista de Hollywood não pode parar e o filme avançou na mesma, sem autorização dos autores. Estes continuam a jurar a pés juntos que nunca viram sequer Aeroplano II: A Loucura Continua.
Esta sequela segue à risca a máxima de equipa que ganha não se mexe. O filme é exactamente o mesmo, com o mesmo argumento e os mesmos actores, com duas excepções: desta vez passa-se no espaço, na viagem inaugural dos voos comerciais para a lua (só porque sim); e não tem o Leslie Nielsen, talvez ocupado entretanto a fazer Polícias à Parte, a mítica série de televisão dos ZAZ que iria dar origem a Aonde Pára a Polícia. Para compensar chamou-se William Shatner para o elenco, seguindo a fórmula vencedora do anterior de pôr actores sérios a fazerem palhaçada.
Aeroplano II: A Loucura Continua até convoca personagens secundárias para repetirem as mesmas piadas secundárias. E, surpresa!, (quase) todas elas voltam a funcionar. Já não têm é a frescura e o impacto da primeira vez, como tinham em Aeroplano. Existem ainda umas referências a outros filmes (como o computador reminiscente do HAL, de 2001: Odisseia no Espaço, com os mesmos planos subjectivos e tudo) e umas cenas com menos piada, mas nada de propriamente embaraçoso.
Aeroplano II: A Loucura Continua é, portanto, a típica sequela para preencher calendário, mas bem longe dos exemplos de simples oportunismo que acontecem na maioria destes casos. Não ofende e o Double Cheeseburger é um excelente complemento a Aeroplano. Mas não substitui em nada os outros filmes do ZAZ style que viriam depois, especialmente essa obra-prima que se chama Ultra Secreto.Título: Airplane II: The Sequel
Realizador: Ken Finkleman
Ano: 1982