A Toca do Lobo parecia ser um tradicional documentário sobre o escritor Tomaz de Figueiredo, por parte da sua neta. Catarina Mourão nunca conheceu o avô, autor que também não parece estar muito presente na memória colectiva nacional. Basta ver como as ruas que existem com o seu nome – e ainda são algumas – são sempre ruas secundárias nos subúrbios ou ruas traseiras de outras ruas. Por isso, rapidamente percebemos que A Toca do Lobo, apesar de ser um documentário, tem muito pouco de tradicional e é muito mais sobre a memória do que sobre aquele escritor.
Catarina Mourão nunca conheceu o avô, que em vida se afastou da sua esposa misteriosamente e acabou internado num manicómio, onde passou algum tempo sob o tratamento de choques eléctricos. São factos fugidios numa biografa que a realizadora tenta completar como pode, seja com fragmentos de uma entrevista televisiva sobre coleccionadores de coisas inesperadas (Tomaz de Figueiredo coleccionava saquinhas de cachimbo), fotografias de família, antigos filmes em super 8 ou algumas raras entrevistas a quem privou com ele. O que é inesperado é que, apesar daquele material ser quase rarefeito, Catarina Mourão consegue coloca-lo a dialogar entre ele, montando uma narrativa e complementando-o com alguns planos extremamente bem conseguidos.
Mas no meio da memória do avô que tenta reavivar, A Toca do Lobo acaba por trazer ao de cima outras memórias, reavivadas por questões que vão surgindo à medida que questiona a vida de Tomaz de Figueiredo. É uma memória de um tempo muito específico, o do Estado Novo, que continua a ser tabu para a maioria das pessoas pela sua proximidade temporal. Há uma tia que se recusa a falar com o resto da família e que guarda o acervo do autor, sem o partilhar com a sobrinha, e há episódios que suscitam dúvidas entre si pela incoerência, rimando apenas com a sociedade opressiva e moralmente tradicional do regime salazarista.
A Toca do Lobo reflecte assim sobre o facto de como a nossa mente molda as nossas memórias para que estas se adaptem à realidade, em vez de ser ao contrário. E o cinema de Catarina Mourão assume-se aqui como uma ferramenta para restaurar a verdade e não deixar a mentira, mais ou menos involuntária, apoderar-se da vida. E, no final, o documentário sobre Tomaz de Figueiredo fica totalmente colocado de parte, sobrando antes um McRoyal Deluxe sobre as relações familiares, o passado de um país ditadurial e, claro, sobre a memória pessoal e colectiva.Título: A Toca do Lobo
Realizador: Catarina Mourão
Ano: 2015
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