O meu top de 2016 é uma lista ordenada num momento bem definido do tempo, este em que me encontro sentado nesta cadeira. Feito de cabeça quente e incompleto. Ao ver todas as listas dos melhores de 2016 das grandes publicações percebo que me falta ver ainda muita coisa. Isto é mesmo assim, um impulso. Como todos os outros sintomas de paixão.
11º Lugar
Don’t Think Twice, de Mike Birbiglia
Realizado pelo comediante Mike Birbiglia e protagonizado por grandes estrelas do standup, é um filme que trata de um tema que me é querido. Num grupo obscuro de artistas o vilão é a fama que ameaça sonegar um dos membros, espalhando o caos e destruição no seio do grupo e nos corações dos seus membros. Um melodrama inesperado, tendo em conta a equipa artística. Aqueles que nos fazem rir são, de facto, os que mais sofrem em silêncio. Ou qualquer coisa assim, como dizia o Robin Williams.
10º Lugar
O Primeiro Encontro, de Denis Villeneuve
O tempo demorado a construir as cenas, o investimento na viagem em detrimento do destino, uma espécie de cinema tântrico de gama de entrada. Os silêncios a falar mais alto que os discursos, até porque os diálogos entre humanos não são nada de excepcional, talvez uma técnica para nos fazer preferir o silêncio e a linguagem não verbal. Villeneuve trata do tema com mestria. Estamos cansados de ver o acompanhamento global das invasões extraterrestres, com presidentes, lideres do mundo, belicismo e militares a distribuir fogo de artificio, o impacto no povo humano, os monges do tibete a ver TV CRT à luz da vela, as crianças de Africa a sorrir num TV ligada a uma bateria de carro. Mas Villeneuve não abraça o todo, foca a sua investida num nicho específico, embrulhado em drama pessoal, tão poderoso como a eminente extinção. Usando o tema da comunicação para comunicar, algo que parece senso comum mas não é.
9º Lugar
Green Room, de Jeremy Saulnier
Esta claustrofóbica e aterradora história de sobrevivência ganhou notoriedade pela pior das razões. A morte bizarra e de contornos de ritual satânico do actor Anton Yelchin fez correr muita megabyte internet fora. Triste dia aquele em que um nosso confrade diz adeus à vida no auge da carreira. O filme é bom, curiosamente. Um vilão fantástico, protagonizado por Patrick Stewart após pesada metamorfose e tensão de cortar à faca. Literalmente. Se bem que tecnicamente se chame catana ou machete.
8º Lugar
Salve, César!, de Ethan & Joel Coen
É luz que se vê neste regresso dos irmãos Coen, a luz a 24 impulsos por segundo projectados num ecrã branco. O cinema é a religião e o filme é uma viagem de fé, o teste de fé que o personagem interpretado por Josh Brolin terá que fazer para provar o seu amor pela sétima arte.Salve, César! não é bem uma história, não tem um arco narrativo convencional. É uma viagem, uma carta de amor dos Coens a um tempo que vive nas nossas memórias colectivas. Um tempo glamoroso e opulento, distorcido pela influência da cultura popular nos parcos fragmentos que possam representar qualquer coisa de facto histórico. É também uma comédia, um humor muito especial que vem sendo cozinhado e apurado há largos anos por estes chefs do celulóide.
7º Lugar
John From, de João Nicolau
Obra portuguesa datada de 2015, atingiu o circuito dos festivais em 2016. Uma história de amor adolescente numa mistura explosiva de hormonas, imaginação e os efeitos secundários das eternas férias do verão aos 15 anos. Ainda hoje dou comigo a ponderar as possibilidades deste filme, enquanto me escovo demoradamente antes de me deitar ou quando ordeno os meus batons por diferentes tons de vermelho.
6º Lugar
Bons Rapazes, de Shane Black
Esta obra de uma doce rebeldia anacrónica de Shane Black caiu como uma cereja em cima do melhor dos bolos. Obrando e urinando sobre os procedimentos do politicamente correcto que parece corroer o cinema comercial como um cancro, Bons Rapazes é um filme cru, violento, obsceno, rude e herege. E com muita piada. Protagonizado pelos mais improváveis actores, fez-me ver uma réstia de esperança no panorama actual do cinema americano para as massas.
5º Lugar
Custe o que Custar!, de David Mackenzie
Custe o que Custar! é daqueles filmes que entram de fininho, como se tivessem caído de uma camião de filmes independentes low profile que nos atinge fortemente como um coice de cavalo na nuca. A história de dois irmãos do crime numa nobre demanda e dos seus antagonistas da lei, que se deliciam com o jogo do gato e do rato. Mais do que um belo policial, sem lugares comuns ou demonizações standartizadas, é um retrato de uma América do novo milénio, de Trump, do takeover da banca ao homem comum, da perda de esperança, do fim do sonho americano e do lugar da bondade humana num mundo robotizado pelos gelo digital dos mercados.
4º Lugar
Hunt for the Wilderpeople, de Taika Waititi
Há coisas que nunca falham e uma delas é a New Zealand Film Commission. Outra é Taika Waititi. Pelo menos até à estreia do novo Thor. Esta capacidade neozelandesa de criar filmes de grande densidade dramática com humor refinado e inexplicavelmente engraçado é única no mundo. Ninguém faz isto funcionar como estes Kiwis. Neste filme exploram-se as fraquezas e os mais profundos medos partindo de um conjunto de preconceitos para os desembrulhar numa bela lição de vida e de amor. Uma bela aventura também. Poderia ser um filme de Natal. Aliás, farei dele o meu filme de Natal.
3º Lugar
Os Olhos da Minha Mãe, de Nicolas Pesce
Este filme foi-me sugerido por um bem informado confrade cinéfilo que chamou a atenção para a actriz principal ser portuguesa. Impulsionado por esta curiosidade patriótica fui assombrado por um maravilhoso mundo que é o universo tão próprio que ali se encerra. Desde a fotografia monocromática lindíssima na sua cor e composição à própria subversão do mal, um inexistente mal que nos leva a pensar na complexidade do que é ser-se humano. O amor levado ao extremo, um belíssima performance da portuguesa Kika Guimarães e uma bela montra de essência de Portugal. Falei já com a Kika Guimarães depois disto, no podcast Nas Nalgas do Mandarim e fiquei ainda mais fã do filme. Há toda uma dimensão por detrás do filme que merece ser conhecida. O episódio com a Kika há-de estrear em meados de Fevereiro e é um episódio de antologia.
2º Lugar
The VVitch, de Robert Eggers
O pior do males não é sobrenatural, é o que vem de dentro de nós. E nem sequer estou a falar de gases. Passado numa América do Norte nos tempos da colonização, The VVitch é uma mistura de abuso, tradição, superstição e poderosas forças do mal que se apoderam de uma família para ali criar o ninho do seu negrume. Trevas em estado puro, aterrorizador. A banda-sonora não deixa um único pêlo deitado.
1º Lugar
A Lagosta, de Yorgos Lanthimos
Algo que me confunde nas listas anuais são as datas de lançamento. Qual a data que conta? Lançamento em festivais? Data da IMDB? Data da estreia em Portugal? Data do dia em que foi pirateada porque saiu no iTunes? Infinitas possibilidades. A Lagosta, por exemplo, tinha ideia que era de 2015 e toda a gente diz que é de 2016. Ok, mesmo a calhar para encabeçar esta lista. Sendo assim este é o melhor filme do ano. Complexo, no entanto descodificável sem ser preciso um mestrado em filosofia existencialista. Somos nós, os desiludidos do tempo e da vida, os esperançosos, aqueles que se agarram ao que lhes resta tentando aproveitar a dignidade da fase descendente da vida, os camaleões da existência humana. Somos nós naquele filme, a vestir as analogias, a perseguir o derradeiro objectivo que é o amor (e não o jazz como o ateu herege dono deste site apregoa).
MENÇÕES HONROSAS
The Purge: Election Year, de James DeMonaco
Fecha assim a trilogia The Purge que tão mirradinha começou. Evoluiu para aquilo que se esperava, matança desenfreada e um âmbito maior que a própria vida. Neste último tomo encerra perfeitamente um franchise modesto e compensador. É capaz de ter uns 20 minutinhos a mais. Compensa, contudo, em chacina.
Deathgasm, Jason Lei Howden
Deathgasm é um dos meus filmes preferidos do ano passado. É um filme tão poderoso que transbordou para o top deste ano. São assim as comédias de terror neo-zelandesas. Dúvidas haja, é só procurar Black Sheep, Housebound, O Que Fazemos nas Sombras ou mesmo Morte Cerebral e Carne Humana Precisa-se de quando o Peter Jackson era um realizador do caneco.
Kubo e as Duas Cordas, de Travis Knight
Veio provar que é possível fazer filmes fenomenais e ter boa aceitação dando total liberdade criativa aos artistas envolvidos. Kubo é um filme que pode ser apreciado por toda a família. De notar que a Laika Films tem um boa colecção de filmes nestes moldes. É uma empresa independente do magnata Phil Knight que não precisa de retorno milionário para continuar activa. Uma pérola no lodo fecal que é animação para cinema actual.