A quarta temporada de Sherlock, a série da BBC poderia ser resumida nesta cena do seu segundo episódio: Mrs. Hudson (na série, viúva de um grande traficante de droga) faz rally pelas ruas de Londres num Aston Martin fugindo da polícia com Sherlock Holmes preso na bagageira. Momento antes, Holmes empunhava uma pistola, mas Mrs. Hudson tira-lha ao deixar cair uma chávena de chá e, qual ninja, aproveitando o facto de Holmes largar a arma para apanhar a chávena, rouba-lhe a arma num milésimo de segundo (mas em câmara lenta, claro). Isto passou-se.
Sherlock até teve um início promissor com adaptações das histórias de Sir Arthut Conan Doyle ao mundo contemporâneo não só em tom e contexto mas também no próprio uso de mecanismos narrativos que fazem uso de tecnologias que não existiam aquando da última grande adaptação televisiva das histórias nos anos 80. No entanto, não resistiu ao canto da sereia da tecnologia e acabou por deitar por terra tudo o que tinha de bom. Esta temporada de Sherlock é um conjunto de explosões, perseguições, enredos mal amanhados, clichés e cenas de pancadaria utilizando um conjunto de personagens que perderam todas as características das originais excepto o nome.
Steven Moffat e Mark Gatiss desta vez não se limitaram a adaptar, eles agarraram nas personagens e distorceram-nas até ao infinito para as fazer encaixar nas suas narrativas lunáticas onde põem, a martelo, referências às histórias originais para dar um ar de autenticidade. É que até para mim, que sou pessoa para quem o Sherlock Holmes é e será sempre Jeremy Brett, as prestações de Cumberbatch e Freeman estavam a ser uma agradável surpresa. Mas depois os guionistas da série lembraram-se de transformar as suas personagens de forma que até o Vin Diesel as poderia interpretar (e cheira-me que até o faria melhor).
As histórias do Sherlock Holmes obedecem a um determinado esquema e o prazer que dão advém desse esquema. Desde a misteriosa exposição do problema até à sua solução, acompanhamos Holmes, vimos o que ele vê, sabemos o que ele sabe e depois assistimos entusiasmados às suas brilhantes deduções que resultam na exposição do criminoso. Ainda que, admito, esta fórmula pudesse ter sido adaptada, há um aspecto essencial do qual nunca nenhuma adaptação destas histórias deve abdicar: Sherlock Holmes resolve crimes. Ora, pelas minhas contas, ao longo dos 3 episódios de 90 minutos desta temporada, o detective resolveu exactamente um crime, em cerca de 3 minutos, que nada teve a ver com a história principal.
A quarta temporada Sherlock é um insulto às histórias originais, é um insulto às personagens, é um insulto à inteligência (a forma como o segundo episódio acaba num momento de suspense que acaba por ser completamente inconsequente, por exemplo), é um insulto às séries de televisão. Foram 4 horas e meia a gritar enraivecido para a televisão, a suspirar, a deitar as mãos à cabeça e a vociferar impropérios para o céu. É difícil imaginar pior do que isto.