Não gosto de séries ou filmes sobre super-heróis. Para dizer a verdade, nem sequer morro de amores por séries ou filmes sobre heróis. E, já que estamos em onda de confissões, não faço a mais pequena ideia de quais são as diferenças entre a Marvel e a DC. Sempre achei todas as histórias sobre super-heróis fugas alienadas da realidade para mundos em que o indivíduo é tudo e as suas condicionantes nada.
É que quando se trata de personagens com super-poderes, os argumentistas têm de arranjar super-obstáculos e invariavelmente criam um mundo com zero pontos de contacto com o real. Quando, perante este inconveniente, começaram a fazer chocar mundos trazendo os super-heróis para a nossa realidade e fazendo a pergunta “O que é que aconteceria no nosso mundo se estas personagens, de facto, existissem?”, o resultado foi sempre (ou quase sempre, não sou propriamente perito nestes mundos) um amontoado de lugares-comuns dirigidos a adolescentes angustiados consigo mesmos e com o mundo. É difícil não encontrar um filme ou série deste género em que não tentem martelar a ideia de que o valor está na diferença, que a conformidade é sobrevalorizada e que são os que a sociedade maltrata que se revelam os (super)heróis.
Legion pega nesta ideia de fazer embater mundos e explora o seu lado mais interessante: o impacto psicológico de se ter super-poderes sem se ser (pelo menos ainda) um super-herói. David Haller é o protagonista que, mais do que pensar ter super-poderes, pensa ter uma doença mental. A realização disposta a quebrar as leis da física para transmitir de forma mais eficaz a sua fragilidade mental ajuda-nos a, mais do que perceber, empatizar com o herói. A certa altura do primeiro episódio parece estar tudo bem lançado para uma série verdadeiramente única e interessante.
Logo no início temos de aguentar com um mini-discurso sobre como a doença mental é a verdadeira sanidade, uma espécie de recusa em aderir à norma “zombieficadora” da sociedade. Não é que a falha seja pequena, muito pelo contrário, a glorificação da doença mental e o retrato da psiquiatria como uma força malévola de submissão do indivíduo único e original à conformidade apática da sociedade é, mais do que uma ideia parva, uma ideia perigosa. Mas a páginas tantas, este mecanismo é tão utilizado que uma pessoa fica mais ou menos imune a ele.
O (grande) problema é que, a meio caminho, a desconstrução é tal que começamos a perceber que a série não se passa no mundo real, mas sim num super-mundo feito à medida de super-heróis. E é aí que reside a maior desilusão de Legion. Com apenas um episódio é difícil adivinhar o que aí vem. Com tantos presságios bons quantos maus, a série pode ainda fazer um bocado de marcha-atrás e voltar ao caminho original que tanto prometia, mas, para quem não gosta de história de super-heróis, um bocadinho de cepticismo só pode fazer bem. Para quem gosta dessas histórias, de certeza que os tiroteios, as explosões e a forma como algumas personagens arrumam antagonistas com um gesto de braço e eles, ao longe, vão a voar por aí fora inconscientes, chegará para os convencer. Eu ainda preciso de mais episódios.