Devia haver uma quota para a quantidade de filmes e séries que, cada ano, resolvem ter como protagonista um polícia/advogado outrora bem sucedido mas, devido a um dano colateral e imprevisível no desempenho da sua profissão (normalmente uma desgraça qualquer que não foi, realmente, da sua responsabilidade), cai nas malhas do alcoolismo, divorcia-se, perde o emprego, passa a fazer a barba só de três em três dias e, mais tarde, ainda que relutantemente, aceita um caso que se transforma na sua derradeira hipótese de redenção.
A premissa desta série não lhe faz grandes favores e, lendo a sua sinopse, uma pessoa tem de se perguntar se se sente com coragem de enfrentar mais uma história sobre o anti-herói alcoólico que, apesar de todos os seus defeitos, tem no fundo bom íntimo e ainda a redenção ao seu alcance. No entanto, ultrapassando isso, Goliath desenvolve de tal forma satisfatória que é difícil não nos deixarmos levar por ela, esquecendo até que já a vimos noutro lado qualquer.
Este é um dos dois problemas da série, mas resolve-se airosamente com a prestação do Billy Bob Thornton que nos deixa permanentemente desconfortáveis, não sabendo bem como nos devemos sentir em relação a uma personagem tão perversa e tão bondosa, tão egoísta e tão auto-destrutiva. Billy McBride (Billy Bob Thornton) é um protagonista com uma tal dose de egocentrismo que se julga a causa de todos os males do mundo, o que o torna ao mesmo tempo alvo da nossa simpatia e irritante até à quinta casa. O outro problema da série nunca é resolvido mas, diga-se, não tem um peso particularmente grande. A personagem da ex-mulher de Billy McBride parece ser a única à qual não dedicaram mais do que 30 segundos e anda ao sabor das necessidades do enredo sem obedecer a qualquer tipo de lógica ou continuidade e isso sobressai numa série que, fora isso, liga todos os elementos e todas as personagens de forma hábil.
À parte esses problemas, Goliath consegue explorar até ao limite as suas virtudes e isso torna a série viciante. Por um lado tem um elenco praticamente irrepreensível (ainda que com alguns exageros aqui e ali), por outro consegue construir de forma brilhante um ambiente com um tom noir (alô segunda temporada do True Detective) que nos deixa agarrados e ajuda a acreditarmos na história, mesmo nos seus momentos mais inacreditáveis. Por fim, e talvez o seu maior trunfo, consegue construir uma história que, mesmo partindo de uma premissa familiar, vai conseguindo fechar todas as portas óbvias e abrindo outras, mas estranhas e, por isso mesmo, mais interessantes e imprevisíveis
O nome da série remete-nos logo para a história de David e Golias e não será difícil percebermos a analogia logo à partida. Billy McBride defende um filho cujo pai morreu numa explosão de um barco enquanto alegadamente trabalhava secretamente para uma gigantesca empresa de armamento, que tem ao seu serviço uma empresa de advogados poderosa (que McBride ajudou a fundar mas, da qual foi, entretanto expulso). Com a ajuda de heróis improváveis (e com falhas que têm consequências, como se vê nos dois últimos episódios), o herói tenta combater a falta de escrúpulos e o poder infindável de duas empresas gigantes. Mas talvez não seja essa a leitura correcta do título da série. É que, se fosse assim, não faria sentido dar o nome de Golias a uma série cuja personagem principal é David. E é aqui que reside o que torna Goliath muito mais do que a sua premissa faria prever. É Billy McBride, no seu egocentrismo cheio de culpa que representa Golias, um monstro que vai sugando a vida a todos os que o rodeiam ao mesmo tempo que os mantém próximos, através de uma constante chantagem emocional (ainda que não intencional). E, no final, ainda que sem fisgas, também este Golias é derrotado. Embora não pareça.