Não é fácil encontrar um filme tão consensual quanto O Homem Que Veio Do Futuro (imaginativa(!) tradução portuguesa), especialmente dentro de um género normalmente associado a uma minoria. É que gente de bem não gosta de ficção-científica, de banda-desenhada e de outras coisas geeks… Mas não nos podemos esquecer que a ficção-científica não é apenas naves espaciais e homenzinhos verdes; é antes um género que utiliza a ciência como factor principal para ilustrar uma fantasia que funciona como um espelho do presente. E nisto, O Homem Que Veio Do Futuro é perfeito.
Para quem nunca viu o filme, fica já aqui o alerta de que não há spoilers na seguinte sinopse muito sucinta. O Homem Que Veio Do Futuro é a estória de quatro astronautas que, após uma viagem espacial problemática, aterram de emergência num aparentemente planeta desconhecido onde os humanos são governados por uma evoluída raça de macacos, com estranha predileção pela fé e uma misteriosa renegação à ciência. Taylor (mítico Charlton Heston, com o seu overacting inesquecível e os seus múltiplos damns a injuriar toda a gente) é o único dos astronautas que sobrevive naquela realidade de pernas para o ar e vai ter que enfrentar todo o cepticismo dos seus captores.
O filme tem um período de habituação, durante o qual os astronautas vão embarcar numa jornada de exploração naquele novo planeta, à medida que o realizador Franklin J. Schaffner mete a câmara ao ombro e experimenta uns planos na diagonal, de forma a aumentar a paranóia do espectador. Durante meia-hora temos uma série de enquadramentos surreais, que remetem para o melhor da land-art de Gerry, mas que se também se pode tornar aborrecido passado um bocado. Depois surgem os macacos e já nada pára O Homem Que Veio Do Futuro.
O Homem Que Veio Do Futuro respira por todos os poros a atmosfera de A Quinta Dimensão (ou não fosse Rod Serling um dos argumentistas). É difícil explicar o que é isto, mas o esforço de o tentar explicar é inútil, ou se conhece ou não (é chato, mas é mesmo assim), é uma fronteira da cultura popular obrigatória de se passar. Para além dos seus atributos na área da ficção-científica, utilizando-a como metáfora a uma crítica existencial relativa à questão fundamental de até onde o Homem conseguirá ir e que malefícios isso lhe trará, O Homem Que Veio Do Futuro encontra ainda a perfeição na caracterização dos macacos, na reconstrução da sua cultura (com uma arquitectura reminiscente de Gaudi) e na partitura sonora de Jerry Goldsmith. Além disso, termina com a melhor cena de sempre do cinema de ficção-científica, que é simultaneamente um dos grandes twists da sétima arte e do qual não vale a pena falar mais para não spoilar.
Se fosse feito hoje, O Homem Que Veio Do Futuro era ainda acusado de racismo por todos os lados, pela forma como estratifica a sociedade símia: os loiros oragotangos são os nobres pensadores e manda-chuvas no topo da pirâmide (onde é que já vi isto?), os nervosos e tímidos chimpanzés são os cientistas e os negros e brutos gorilas são os incompetentes polícias. God damn you all to hell for those who disagree this is a Royale With Cheese.
Título: Planet of the Apes
Realizador: Franklin J. Schaffner
Ano: 1968