| SÉRIES | Realidade, cavalos e robots

F is for Family parece, à partida, mais uma série animada centrada em torno de uma família mais ou menos disfuncional, seguindo o caminho de Family Guy que, por sua vez, seguiu o caminho dos (para todos os efeitos defuntos) Simpsons. Mas F is for Family é muito mais do que isso. Onde as personagens de Simpsons ou de Family Guy parecem ter sido sempre assim e se mant|em para toda a eternidade assim, aqui as personagens são o resultado de uma história. São mais do que bonecos, são pessoas que são assim porque se tornaram assim e esse processo é-nos acessível e compreensível. No mesmo sentido, onde em outras séries os actos das personagens parecem não acarretar qualquer tipo de consequências que durem mais do que um episódio, aqui as escolhas das personagens têm consequências reais e duradouras que fazem com que elas se tornem também mais reais.

Trata-se de uma série que explora as desilusões da idade adulta tanto mais evidentes quanto elas se amplificam na relação pai-filho de Frank e Kevin Murphy. Não se vê com a leveza que muitas vezes se procura numa série de animação e tem certamente os seus momentos de criar nós na garganta, mas isso dá-lhe uma densidade que a torna uma espécie de drama em forma de desenho-animado, o que pode não parecer grande ideia em teoria, mas que na prática resulta lindamente.

 

Depois temos BoJack Horseman. O protagonista que dá nome à série é um cavalo(!) humanizado, que vive num mundo de humanos e animais antropomorfizados, e que é um actor que teve sucesso com uma sitcom brega nos anos 90, enriqueceu e caiu no esquecimento. Tematicamente faz lembrar a segunda temporada da brilhante Extras (do não menos brilhante Ricky Gervais), mas o tom é radicalmente diferente. A leveza fabular dos animais fofinhos é rapidamente substituída pela escuridão brutal de animais selvagens (que nos representam a nós, humanos) cujo único interesse é a sua sobrevivência. BoJack Horseman não tem quaisquer atributos redentores, é um imbecil, idiota, filho da puta, cujo remorso pela merda que faz nunca é de muita dura. E isso é refrescante.

O abuso (para ser eufemístico) de drogas e álcool da personagem principal é representada com sequências (algumas durando um episódio inteiro, algumas durando até mais do que um episódio) absolutamente alucinantes e inovadoras. Somos levados para dentro da loucura do protagonista, mas se, quando a série nos deixa vir à superfície para respirar, ainda mantemos as nossas referência morais bem sólidas, BoJack Horseman já há muito as perdeu e vai cavando debaixo de si um buraco cada vez maior. É difícil andar com uma série destas para a frente em termos de história, mas a qualidade da escrita é suficiente para ficarmos descansados entre temporadas.

 

Das três, esta é definitivamente a mais escandalosamente ordinária, badalhoca e desavergonhada. Utiliza o factor sci-fi para criar linhas narrativas irreais e inovadoras onde, diga-se, tudo parece mais um exercício de ver até onde os escritores conseguem ir do que propriamente de coerência e empenho emocional. É certo que a relação entre neto e avô é, por vezes, enternecedora, ainda que o neto seja um neurótico (uma espécie de Woody Allen em criança) inseguro e sensato e o avô seja um esgrouviado, tresloucado e frio cientista louco. Mas todas as outras personagens parecem existir obcecadas num estado de hiper-egocentrismo que, às vezes, custa um bocadinho a engolir.

Por outro lado, conseguindo uma suspensão da descrença monumental (à conta do tal factor sci-fi de que falei), as oportunidades narrativas são, aparentemente, infinitas e, neste caso, infinitamente javardas. Nem sequer se trata de um humor que usa peidos e arrotos como punchline (o facto de Rick falar sempre entre arrotos, perdigotos e baba faz com que esse seja o normal) mas, antes, de um humor que abalroa sem grande cerimónia qualquer noção de decência sexual, moral ou social só porque sim. Não há aqui grandes mensagens nem grandes lições. Essa espécie de niilismo é ao mesmo tempo a maior força da série por torna-la desbragada e a sua maior fraqueza por parecer, por vezes, que tudo não passa de um exercício de escrita sem grande investimento emocional.

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