Entre Godard e Truffaut, sempre fui preferi o primeiro. Não necessariamente por gostar mais dos seus filmes, mas antes porque Godard filma como ninguém. Mesmo quando os seus filmes são uma seca, cada plano ou sequência é de uma genialidade fora-de-série. Por isso, sem desprezar Truffaut, para mim Godard é o rei da nouvelle vague.
Contudo, é François Truffaut quem tem o filme com mais estilo da nouvelle vague, um filme com igual dose de coolness e de romantismo (apenas igualado por O Ofício de Matar). Chama-se A Noiva Estava de Luto e é referido, normalmente, quando se fala de Kill Bill. E mesmo que Tarantino continue a jurar a pés juntos que nunca viu o filme (tal como eu, ele também diz preferir o Godard), eu não acredito. E não é só pelas semelhanças com Kill Bill, é também por haver uma personagem careca que surge sempre de costas nas cenas, como Marcellus Wallace em Pulp Fiction.
A Noiva Estava de Luto é a história Julie Kohler (Jeanne Moreau), uma noiva que fica viúva à saída do altar. Uma vez que a tentativa de suicídio sai frustrada, Julie decide jurar vingança aos cinco indivíduos envolvidos no assassinato do seu marido. Assim, troca o branco pelo negro e, de repente, temos a vingança servida a frio – com os nomes das vítimas a abater escritos num moleskine, qual lista de supermercado. Como em Kill Bill. Ou em Lady Snowblood.
O filme é baseado num livro de William Irish e, por isso, sente-se em A Noiva Estava de Luto a atmosfera das pulps dos anos 50. Contudo, o que mais se nota é a homenagem a Hitchcock. Há a influência dos seus planos-sequência, a atmosfera densa do suspense, um tipo que cai duma varanda que é claramente um boneco como em A Mulher Que Viveu Duas Vezes e viagens de comboio e de avião que lhe dão o ar cosmopolita de Intriga Internacional. No entanto, este tributo é bem naive e, espero eu, propositado.
Vamos então a uma contabilidade bem sucinta dos pontos bons e maus. Como positivo, A Noiva Estava de Luto tem, basicamente, duas coisas: a forma como ataca a história logo ao início, pegando o toiro pelos cornos (isto é, começando a despachar logo gente nos primeiros minutos), dispensando explicações e deixando-as para mais tarde; e o final genial (o melhor do filme, diga-se), que alia perfeição formal (um plano sugestivo e fixo a prestar tributo a John Ford) à inteligência do argumento. Contudo, depois de sabermos o motivo daquela vingança, quase que preferíamos ter continuado na ignorância, uma vez que chamar-lhe ridículo seria um favor. É a faceta ingénua do filme, aquilo que os americano chamam de tongue-in-cheek, e que ganha uma dimensão ainda mais anedótica com a banda-sonora épica de Bernard Herrman (outra referência a Hitchcock) a enfatizar de forma gigantesca as mais insignificantes acções.
A Noiva Estava de Luto é uma versão contida e realista de Kill Bill, uma vez que esta noiva-vingadora consuma a sua vingança de forma bem humana, como até eu a podia fazer: envenenamentos, facadas ou asfixiamentos em armários(!). Contudo, a ligeireza do argumento (e apelidá-lo assim é, novamente, fazer-lhe um favor) aproxima-o vezes de mais da insignificância. Mas como hoje estou numa de dar uma de intelectual-que-gosta-muito-de-filmes-franceses-a-preto-e-branco sou capaz de lhe dar um McChicken.
Título: La Mariée Était en Noir
Realizador: François Truffaut
Ano: 1968