Eu cá não sou de intrigas, mas José Cardoso Pires é provavelmente um dos melhores escritores portugueses de todo o sempre. Verdade ou não, o seu O Delfim é o melhor livro português de sempre. Obviamente que respeito todas as opiniões, mas quem não concordar comigo estará errado e eu odeio-o.
O Delfim também foi adaptado ao cinema, por Fernando Lopes, mas este texto não é sobre esse filme. É antes sobre Balada da Praia dos Cães, o outro grande título de Cardoso Pires queJosé Fonseca e Costa transportou para o grande ecrã. Balada da Praia dos Cães é um policial à antiga, baseado nos noirs e nas pulps fictions, sobre um detective, o Santana (Raul Solnado), que investiga o estranho caso de um cadáver que surge numa praia, semi-devorado pelos cães selvagens locais.
Temos todos os elementos do film noir tradicional: o polícia-narrador (com os respectivos esqueletos no armário, claro), a femme fatale (belíssima Assumpta Serna) e até a atmosfera ambígua, apesar de não ser a preto e branco. Aliás, José Fonseca e Costa aproveita as reconstituições, algumas reais outras apenas na cabeça do inspector Santana, para potenciar esse clima soturno e por vezes misterioso, que chega a emular o David Lynch do Twin Peaks (mas com uma banda-sonora pior).
Como estamos a falar de uma história de José Cardoso Pites, obviamente que no pano de fundo daquele homicídio vai estar uma intriga relacionada com o Estado Novo, uns militares desertores (o abusador capitão Dantas é identificado como sendo a vítima e os sapatos trocados são um sinal de traição) e a PIDE. Aliás, a casa onde o Dantas, a sua amada fugitiva (Assumpta Serna, a femme fatale) e os dois cúmplices se refugiam à espera do contacto exterior que os vai ajudar a dar o salto, torna-se numa metáfora bem interessante do país em pleno regime salazarista.
Mas José Fonseca e Costa tem dificuldade em conseguir o tom e o equilíbrio certo entre essa componente policial mais lúdica e uma profundidade mais simbólica do argumento. Se o exemplo mais claro são as enormes temporadas em que Raul Solnado desaparece completamente da história (ele que, mesmo assim, teve aqui o papel de uma carreira, tendo convencido inclusive Cardoso Pires, que inicialmente era contra a escolha do humorista, já que estava mais habituado a vê-lo envolvido a idas à tropa fora do horário de expediente ou em telefonemas para o inimigo (if you know what I mean)), há ainda o caso prático de O lobo do mar, o livro de Jack London que o inspector Santana encontra sublinhado por um dos cúmplices do capitão Dantas e que está sempre a gritar por atenção. No entanto, José Fonseca e Costa não o consegue tratar por mais do que um simples adereço no desenvolvimento da trama.
Balada da Praia dos Cães é, mesmo assim, um dos mais singulares títulos da cinematografia nacional, ou não adaptasse um dos mais singulares romances da literatura portuguesa. Tal como Cardodo Pires, Fonseca e Costa sempre gostou também de retratar uma certa ideia de portugalidade, especialmente aquela que não encontramos em Lisboa (e que é o Portugal real, na verdade). Por isso, o encontro entre ambos foi quase natural. O McChicken que encomendaram juntos não lhes fica mal.
Título: Balada da Praia dos Cães
Realizador: José Fonseca e Costa
Ano: 1987
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