É fácil reconhecer Os Chapéus De Chuva de Cherburgo como um dos melhores musicais da história do cinema, mas é um erro limita-lo a esse epíteto. Se bem que ser um dos melhores do que quer que seja é sempre um belo epíteto. Mas o alcance de Os Chapéus de Chuva De Cherburgo é tão vasto que é quase criminoso ficarmos pelas cantilenas. E nem estou sequer a referir-me ao facto de ser aqui que Catherine Deneuve começou a deixar de ser a actriz para passar a ser o ícone.
É certo que é incontornável fugir à parte musical do filme, já que Os Chapéus De Chuva de Cherburgo é integralmente musicado. Ou seja, todos os diálogos são cantados, maioritariamente em regime de spoken word, como se a vida fosse uma enorme canção. A opção formal é arriscada, especialmente porque o registo melódico raramente (e infelizmente) alterna entre o jazz upbeat e a orquestração cheia de violinos, que lembra sempre o início de Na Cabana Junto à Praia. Por isso, se o seu ser é daqueles que rejeita liminarmente tudo é que é filmes em que os actores desatam a cantar sem razão aparente, fuja de Os Chapéus de Chuva De Cherburgo a sete pés, já que até para quem gosta de musicais o filme pode se tornar irritante.
Se formalmente Os Chapéus De Chuva de Cherburgo é arriscado, estilisticamente é um sonho em technicolor, cheio de cores vibrantes, marinheiros e guarda-chuvas coloridos que, numa estudada mise-en-scene, fazem do filme um kitsch delicioso. Os Chapéus de Chuva de Cherburgo é a resposta da nouvelle vague ao colorido mágico de O Feiticeiro de Oz. Mas com música. E neste ambiente de cores vivas (que o pastiche 8 Mulheres respira por todos os lados), destaca-se a novinha e bela Catherine Deneuve, no seu primeiro grande papel de relevo.
Deneuve é então uma jovem adolescente que se apaixona perdidamente por Giu (Nino Castelnuovo), um jovem mecânico que a quer desposar. A mãe (Anne Vernon), dona de uma loja de chapéus de chuva, desaprova veementemente este casamento, já que a sua filha só tem 17 anos. Mas quando as contas para pagar começam a se acumular, a ideia talvez já não seja tão má. Se bem que o empresário de jóias com pinta de chulo (Marc Michel) parece ser melhor opção. Catherine Deneuve vai ter então que tomar uma decisão quanto ao seu futuro quando a) descobre que está grávida e b) Guy é mobilizado para a guerra na Argélia. Deverá esperar pelo amor da sua vida e enfrentar as agruras da vida, como mãe solteira pelintra? Ou deve optar pela segurança de um casamento com um tipo estável e rico?
Os Chapéus De Chuva de Cherburgo começa por parecer mais um romance trágico, na onda de Romeu e Julieta, cujas cores e o contexto suburbano remetem para os melodramas de Douglas Sirk (mas um bocadinho (ainda) mais telenovelesco). Mas à medida que avança, Jacques Demy revela-se muito mais ambicioso, optando pelas situações menos previsíveis, debruçando-se sobre uma reflexão pela natureza humana (sobretudo a feminina), especialmente perante o moral de que a vida continua.
Tematicamente, Os Chapéus De Chuva de Cherburgo aproxima-se muito mais da Hollywood clássica, com quem rivaliza, do que com muitos dos seus pares da nouvelle vague. Se bem que continuará para sempre pioneiro de muita coisa. Especialmente de tudo o que é filme francês musical, como já provou na pele Cristophe Honoré, regularmente comparado a Demy após o seu musical As Canções De Amor. Mas o McRoyal Deluxe de Os Chapéus De Chuva de Cherburgo continua a ser à prova de comparações.Título: Les Parapluies De Cherbourg
Realizador: Jacques Demy
Ano: 1964
Trata-se de um filme muito bonito e realista, cuja parte final mexe imenso connosco. Durante o filme não estamos à espera de um final assim. Se fosse um filme norte-Americano, com a mesma história, o final seria diferente, o desenrolar do próprio filme seria diferente e tudo terminaria num happy-end, ainda para mais tratando-se de um musical. Não é que o filme, da forma como termina, “acabe mal”. Ele acaba… como tem que acabar. 9/10.