Não é por acaso que Stephen King é o escritor vivo com mais romances adaptados ao grande ecrã. Os seus livros dão excelente argumentos para filmes, apesar de se tornarem, na maior parte das vezes, aborrecidas adaptações. Além disso, essas adaptações também não costumam querer nada com a qualidade, mas aí já é outra história. It, um dos clássicos do mestre do terror, foi transformado em telefilme em 1990, dividido em duas partes, fiel ao romance, o que condensado em DVD se transforma numa estopada de três horas com as mesmas ideias a serem repetidas até à morte. Mas se o abordarmos em duas partes, a situação afigura-se mais fácil.
Há, por ventura, filmes que se fazem a si mesmos. Filmes que se tornam interessantes mesmo que a realização seja ruim demais e as interpretações amadoras. E um filme que estrela Pennywise, o palhaço dançarino que conta anedotas enquanto mutila criancinhas, como é que é possível não gostar dele? Mesmo que toda a dramatização ridícula dos telefilmes esteja presente (exemplo: Porque é que o monstro é tão mau?, interrogação gritada ao céus por uma das vítimas, num dos momentos de maior clímax psicológico do filme), que os jovens actores parecem ter sido escolhidos enquanto passavam na rua e que todos os clichets dos filmes de terror esteja presente.
It é assim um filme dividido em dois: a primeira parte é um manifesto juvenil, a história que estamos habituados a ver na televisão ao domingo à tarde, do grupo de jovens que é posto de parte na escola por ser “diferente”, o grupo dos falhados, que têm ainda em comum o facto de serem espancados/humilhados/roubados pelo miúdo mais velho da escola, neste caso, Henry Bowers (Jarred Blancard). Mas os sete amigos vão enfrentar Pennywise, o palhaço dançarino, uma forma maléfica que se alimenta dos seus piores medos e que, de trinta em trinta anos, escolhe uma forma física para dar azo aos seus fetiches doentios com crianças.
A segunda parte do filme reúne os amigos trinta anos depois, adultos e caídos na vida infeliz das pessoas crescidas, de volta à terra natal para cumprir a promessa que tinham feito ao derrotar o monstro na juventude de que, se ele voltasse, que também eles voltariam para o matar.
A segunda parte é claramente melhor, muito mais filme de terror e muito mais bizarra, às vezes sem grande sentido, mas sempre perturbadora e desconfortável. Paralelamente à história de horror, decorrem as características comuns da obra de Stephen King, na construção das personagens, que nunca são simples carne para canhão: são crianças que sofreram uma educação rígida e austera que lhes condicionou o crescimento, ou mulheres vítimas de machismo extremo, que se reflecte numa brutalidade e num extremismo nas relações. E, muitas vezes, o verdadeiro terror está nessa vida real do que na componente fantástica das suas histórias.
Interpretado superiormente pelo próprio Dr. Drank N’ Further, Tim Curry, Pennywise é uma das grandes figuras do cinema de terror, um palhaço assustador e doentio, de olhos irrigados a sangue e dentes afiados. It é um filme sobre o medo, o medo que invade os homens, sobre e acima das nuvens, que é o preço que pagamos por andar sobre a Terra; e Pennywise é o reflexo desse medo, que se alimenta dos temores das crianças. Mas o que no livro tinha bastante sentido, em que o palhaço assumia as formas dos piores medos das pessoas, no filme passa completamente ao lado, numa amálgama de fantasmas interiores, aranhas gigantes e lobisomens do cinema.
It tem, em suma, uma análise geral facílima:
Pennywise, o palhaço dançarino – Royale With Cheese
Primeira parte do filme ou Os 7 Contra O Palhaço Assassino – Cheeseburger
Segunda parte do filme – McChicken
Agora junta-se tudo na mesma panela, mistura-se bem e faz-se a média – McChicken com muitas, muitas, batatas fritas.
Título: It
Realizador: Tommy Lee Wallace
Ano: 1990