| CRÍTICAS | Mãe!

Um dia o Darren Aronofsky resolveu esbardalhar a confiança que todas as pessoas de bom gosto tinham depositado nele e fez Noé, um filme bíblico que é um desastre não mais pequeno do que a própria cheia que retrata. Nem Jennifer Connelly o safou e não me parece que houvesse actor vivo que o conseguisse.

Vai daí, Aronofsky (que é rapaz para ser o meu realizador preferido), achou boa ideia voltar a fazer um filme bíblico. Arriscou-se, porque se a coisa lhe tem corrido mal, dificilmente se livrava da fama de ser o realizador que era “muita bom” antes de se ter dedicado à religião. Mas como isso com certeza lhe parecia pouco, decidiu ainda fazer um filme que não incidisse sobre um capítulo em específico mas em toda a história bíblica da Humanidade, desde o Génesis ao Apocalipse.

A metáfora começa com subtileza, mas temos lá tudo a que temos direito: Adão, Eva, Deus, a Natureza, Caím, Abel, a Humanidade, o Papa e até o menino Jesus. Aronofsky consegue a proeza de fazer um filme simultaneamente bíblico e amigo do ambiente. Consegue, através de uma história bíblica, pintar-nos com uma escuridão assustadora e fazer uma crítica ao pensamento religioso de uma qualidade que não se via desde A Vida de Brian. Só que aqui ninguém se ri.

Pelo contrário. Muito pelo contrário. Temos, ao invés, uma Natureza humanizada no corpo da Jennifer Lawrence (que faz aqui provavelmente o papel da vida dela), que é sistemática e violentamente acossada, abusada, ferida e explorada por uma Humanidade essencialmente perdida, mas levada à loucura colectiva pela religião. O final, e digo-o com o à vontade de não estar a estragar o filme a ninguém, é a marca de Caím, símbolo máximo da perversidade humana que nos aponta uma saída, ainda que, digamos, muito pouco agradável.

É que, a certa altura, a subtileza da metáfora do filme é mandada às urtigas e entramos em modo violentamente alucinante em que é difícil escapar ao que Aronofsky quer dizer. E é assustador pensarmos que é quando as coisas descambam, que a metáfora se torna perfeitamente visível por se tornar tão próxima da nossa realidade. É isto que faz de Darren Aronofsky o realizador que é. É que põe-nos a empatizar com uma personagem que é a vítima sem nos apercebermos que somos nós os agressores.

Mesmo que às vezes, na recta final, a metáfora nos seja esfregada na cara com um bocadinho de vigor a mais (como quando a personagem de Jennifer Lawrence repete algo da personagem de Michelle Pfeiffer), o filme nunca perde o norte e conta a história que quer contar com uma cadência perfeita. É um filme violento sem sê-lo pornograficamente e causará provavelmente tantos esgares de desconforto quanto aqueles que evitamos quando estamos perante a coisa propriamente dita no nosso dia-a-dia. Ao pé de Mãe!, Noé é uma espécie de rascunho, uma primeira ideia que foi executada antes de tomar uma forma que se visse. Aqui temos uma obra acabada, praticamente perfeita. E a perfeição aqui assume a forma de um Royale With Cheese.

por Diogo Augusto

Título: Mother!
Realizador: Darren Aronofsky
Ano: 2017

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