| CRÍTICAS | Foge

Houve uma colega, querendo dizer que não era racista, que um dia me disse: ‘Não me lembro da cor das pessoas.’ Eu respondi: ‘Sorte a tua, porque eu não consigo esquecer-me da minha cor. Mesmo que me esqueça, o quotidiano lembra-me.’

A citação é de Inocência Mata, uma das poucas professoras universitárias negras em Portugal, e faz parte de um dos artigos de uma série que o jornal Público tem dedicado ao racismo no nosso país. E que tem servido para desconstruir a ideia de que Portugal não é um país racista ou os tabus de um colonialismo que continua a ser pouco discutido e do qual é necessário acabar com a ideia de que foi benigno e “diferente” dos outros. E talvez este Foge possa ser posto também na equação e servir para ajudar à reflexão.

É que Foge é um filme de terror, em que os códigos do género servem para reflectir sobre a questão racial, principalmente a norte-americana, mas em geral em todo o mundo. No entanto, não deixa de ser assustador que, o que até há bem pouco tempo parecia ir mudar significativamente (principalmente com a eleição de Barack Obama), tenha dado uma volta de 180 graus e pareça que tenha regredido e piorado significativamente em praticamente toda o mundo ocidental.

Foge é então a história de Daniel Kaluuya e do fim-de-semana em que vai conhecer os pais da namorada (Allison Williams). Ele é negro, ela é branca e a sua família é… demasiado branca. É como a citação da Inocência Mata, por mais que ele não queira reparar e acreditar que está tudo bem, há sempre algo estranho a acontecer. Ou será que é só na sua cabeça e não passa do poder de sugestão? É que a família da namorada até votou no Obama e têm orgulho dum familiar que perdeu nos Jogos Olímpicos de Berlim para Jesse Owens, o afro-americano que estilhaçou o mito da supremacia ariana de Hitler nos Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936, ao sacar quatro medalhas de ouro.

Foge joga nesta ambiguidade: por um lado, existem demasiado coisas suspeitas – todos os empregados são negros (e parecem autómatos), os hipnotismos da mãe (Catherine Keener) e um irmão (Caleb Landry Jones) demasiado… agressivo; mas por outro pode ser só a nossa imaginação, no facto de querermos ver ali, naqueles contrastes, uma conotação racista. E isso funciona também como metáfora.

É enquanto vai jogando no território do thriller psicológico e do suspense, que Foge vai tendo os seus melhores momentos e acumulando crédito. E até há um leilão que podia fazer parte de A Lagosta. E essa referência vale sempre um filme. Depois o realizador, Jordan Peele, expõe na mesa o jogo e é aí que o filme perde alguma força. Porque apesar da leve referência a A Aldeia dos Malditos, a premissa não é propriamente credível. No entanto, não é isso que interessa em Foge e tudo o resto é demasiado interessante para não valer um McBacon.

Título: Get Out
Realizador: Jordan Peele
Ano: 2017

One thought on “| CRÍTICAS | Foge

  1. Pingback: | LISTAS | Os Melhores Filmes de 2017 | Royale With Cheese

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *