| CRÍTICAS | O Outro Lado da Esperança

Jim Jarmusch pode ser o mais europeu dos realizadores norte-americanos, mas – paradoxos à parte – Aki Kaurismäki é o Jim Jarmusch finlandês. Aliás, os dois são amigos próximos e Kaurismäki, preguiçoso assumido, até confessou que só fez este O Outro Lado da Esperança porque ouviu dizer que o norte-americano estava a fazer dois filmes ao mesmo tempo (Que era Paterson e Gimme Danger). Por isso, tendo em conta que o finlandês já anunciou que este será o seu último trabalho, resta-nos esperar que Jarmusch continue a fazer muitos filmes, para ver se ele muda de ideias.

Depois de Le Havre, Aki Kaurismäki continua a sua anunciada trilogia das cidades portuárias (se bem que o próprio admite que essa pseudo-trilogia é só mais um pretexto para o obrigar a fazer filmes), mudando-se agora para a sua Finlândia natal. Ainda não foi desta, portanto, que filmou em Portugal, onde tem residência fixa, na cidade de Viana do Castelo. Kaurismäki estava chateado ao ver como os seus conterrâneos estavam a lidar com a crise dos refugiados, perturbado com tanta manifestação de intolerância, e decidiu pegar no tema.

O Outro Lado da Esperança é então a história de um refugiado sírio, Khaled (Sherwan Haji), que chega à Finlândia incógnito num navio de carga. A primeira coisa que faz é “entregar-se” às autoridades, para ver se consegue encontrar a irmã, que perdera de vista algures pela fronteira húngara. No entanto, à medida que vai saltando de centro de acolhimento e sem notícias da irmã, Khaled cansa-se daquela vida, recusa a deportação e foge, acabando por ser acolhido por Wilkstrom (Sakari Kuosmanen), que acaba de abrir um restaurante depois de deixar para trás a sua antiga vida, incluindo a mulher (numa cena memorável, logo de início, em que, na total ausência de diálogo, Wilkstrom arruma a trouxa e sai de casa, deixando na mesa onde a esposa se embebeda e fuma a aliança de casamento) e uma profissão aborrecida como vendedor de camisas.

O novo restaurante de Wilkstrom é então o típico universo de Aki Kaurismäki. Aliás, quem já visitou o restaurante do finlandês em Helsínquia vai encontrar aqui semelhanças. Até porque nem falta blues na banda-sonora, que é sempre diegética, tocada ao vivo por bandas amigas que Kaurismäki aprecia. Há então personagens bizarras (os empregados do restaurante são todos escolhidos a dedo), toda a gente fuma que nem chaminés e os decors são espartanos, com a luz recortada (nos interiores lembramo-nos sempre do cinema de João Botelho, outro autor que gosta de montar os seus planos como pinturas), combinando na perfeição com as poses rígidas e os diálogos minimalistas. É como se Kaurismäki só filmasse aquilo que é estritamente necessário e nada mais.

O Outro Lado da Esperança caminha então por uma ténue linha entre o humor absurdo e o desconforto, em que nunca sabemos muito bem como nos sentir. Kaurismäki aponta o dedo à desumanização da crise dos refugiados e da consequente burocracia, aproveitando o ambiente da cidade portuária não como porto de abrigo, mas antes como ponto de chegada e de partida. E tudo isso mantendo-se fiel ao seu próprio cinema, numa espécie de fábula chaplienesca, com tanto de burlesco quanto de irrisão. A sério, vamos lá todos fazer força para que o finlandês continue a filmar, porque McRoyal Deluxes destes não se encontram por aí à patada.

Título: Toivon Tuolla Puolen
Realizador: Aki Kaurismäki
Ano: 2017

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