| CRÍTICAS | Jim & Andy

A vida está farta de nos mostrar que os comediantes, por norma, sofrem muito mais de depressão e de problemas existenciais de que os outros. Além disso, parece haver uma relação exponencial entre a genialidade e a dimensão da depressão. Temos o caso não muito distante de Robin Williams, mas também tivemos antes o caso de Peter Sellers, por exemplo, que até teve direito a biopic e tudo (olá Eu, Peter Sellers). Parece que quanto mais nos fazem rir e sorriem por fora, mais atormentados estão por dentro.

Jim Carrey é outro desses casos. De fenómeno de massas brutal (especialmente após a tríade de sucesso Ace Ventura – Detective Animal, A Máscara e Doidos à Solta) à depressão foi um pulo (e uma mão cheia de filmes de qualidade duvidosa, sempre iguais, aliados ao desgosto amoroso) e Carrey refugiu-se nos últimos anos na reclusão. Antes de o vermos regressar, mas de forma irreconhecível, em The Bad Batch – Terra Sem Lei, vimo-lo num documentário no vimeo partilhando amiúde pelas redes sociais transformado em pintor.

É esse novo Jim Carrey que encontramos no novo documentário do Netflix, Jim & Andy: mais zen, mais espiritual e, claramente, mais em paz consigo mesmo. É ele que vai ser o cicerone pelas suas próprias memórias da rodagem de Homem na Lua, o filme em que se transformou em Andy Kaufman, o humorista mais… alternativo da história do humor. Kaufman foi tão diferente de tudo o resto que a forma que Carrey arranjou para o encarnar foi transformar-se nele próprio, a tempo inteiro, num processo nem sempre muito pacífico, que levou o realizador do filme, Milos Forman, e toda a equipa de produção e ao desespero e que foi captado integralmente pela antiga namorada do próprio Andy Kaufman, footage essa que agora é recuperada, 18 anos depois.

As imagens desse making of do Homem na Lua são assim comentadas por Jim Carrey, sentado frontalmente para a câmara, que embarca num monólogo bastante lúcido sobre a vida e a obra de Andy Kaufman, sobre a sua própria carreira e sobre como fazer de Kaufman marcou um antes e um depois na sua vida. É ainda uma reflexão sobre o humor e a comédia, sobre os problemas de personalidade, sobre a problemática da fama e da sobreexposição e até da vida em si, este último ponto cortesia da nova faceta new age de Carrey.

Sem ser propriamente um pedaço de cinema incrível – formalmente é apenas uma cabeça-falante a comentar found footage -, Jim & Andy é um documento fantástico para perceber melhor Jim Carrey e que revela (e relembra) o que se passou nos bastidores de Homem na Lua. A produção do biopic de Andy Kaufman poderia muito bem ter sido o último número do próprio Kaufman, numa espécie de routine meta-referencial de humor pouco ortodoxo. O documentário não ficará para a história do cinema, mas o McBacon faz parte da História do cinema. 

Título: Jim & Andy: The Great Beyond – Featuring a Very Special, Contractually Obligated Mention of Tony Clifton
Realizador: Chris Smith
Ano: 2017

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