É certo que o cinema húngaro já foi árvore que deu melhor fruto – alguém mencionou Béla Tarr ou István Szabó? -, mas nos últimos tempos parece estar a querer revitalizar. E é certo que Ildikó Enyedi, a realizadora deste Corpo e Alma, não é propriamente uma novata, mas o facto de já não fazer um filme há quase vinte anos encaixa-a na perfeição nesta história do cinema húngaro novo, logo a seguir a O Filho de Saul e Deus Branco.
Corpo e Alma é a história do amor improvável que floresce entre Endre (Géza Morcsányi) e Mária (Alexandra Borbély), tendo como cenário o matadouro onde ambos trabalham. Aliás, todo o filme vai ser assim, construído entre contrastes e dicotomias (começando logo pelo título, corpo e alma). E o amor deles é improvável porque ele já tinha fechado a loja para esse peditório e ela… bem, ela não sabe muito bem como o fazer, já que a sua ansiedade e solidão se confundem com a sua doença de Asperger.
É na forma como constrói o seu filme que a realizadora Ildikó Enyedi o ganha e perde ao mesmo tempo. É certo que fa-lo com um formalismo gélido de quase filigrana, de quem andou a ter uma dieta intensiva de dramas nórdicos, mas cada plano é ensaiado com precisão tal que por vezes o artificialismo parece sobrepor-se à própria história. Contudo, também é verdade que, por cada momento em que nos parece que vai repelir, Corpo e Alma joga um trunfo na mesa que nos volta a agarrar, sejam os magníficos planos dos veados na natureza ou a cantiga (incrível) da (não menos incrível) Laura Marling.
Apesar de andar mais vezes do que devia a ser colocado ao lado de Michael Haneke, Corpo e Alma não tem nada a ver com o cinema cruel do austríaco. Fica muito mais bem colocado ao lado do novo cinema grego e de todas as suas alegorias, já que é uma história de amor com laivos de poesia, sobre a falta de valores e de sentimento da sociedade moderna. E com este McBacon o cinema húngaro dá mais um sinal de vitalidade recente.
Título: Teströl És Lélekröl
Realizador: Ildikó Enyedi
Ano: 2017