O fenómeno do Black Mirror é muito parecido ao que foi o fenómeno White Stripes. Os poucos que gostavam de White Stripes antes do Seven Nation Army, faziam-no por motivos bem diferentes da multidão que veio a seguir. Muito provavelmente, o que levou os segundos a começar a ouvir White Stripes foi precisamente o que levou os primeiros a deixarem de o fazer. É fatal como o destino. É por isso que vale a pena trazer aqui os bonitos versos de um tal de Jack White um álbum antes de lançarem o riff que é hoje cantado em estádios de todo o mundo:
Well you’re in your little room
And you’re working on something good
But if it’s really good, you’re gonna need a bigger room
And when you’re in the bigger room
You might not know what to do
You might have to think of how you got started
Sitting in your little room
O Jack White parecia estar consciente dos perigos que o esperavam, mas depois foi e cagou o pé todo. Como Jack White, também Charlie Brooker parece ter-se deslumbrado com a súbita atenção e transformou uma das melhores séries de sempre numa das mais irritantemente medíocres que andam por aí.
Vamos lá ver, com tanta gente que gosta do Black Mirror, de certeza que as pessoas terão motivos muito diferentes para gostar da mesma coisa. Eu, que sou maluquinho da série desde a altura em que ninguém a conhecia (isto sou eu a puxar dos galões), sei exactamente porque é que me entusiasmei tanto com aquilo. No início, Black Mirror era mais do que episódios com estéticas deslumbrantes, histórias que não recorriam a muletas e que nos permitiam irmos descobrindo as premissas de cada episódio, uma banda sonora impecável e finais de revolver as entranhas. Muito embora isso estivesse lá, o verdadeiro poder da série era o de apresentar uma metáfora que parecia mirabolante e rebuscada (ya, um primeiro-ministro a sodomizar um porco!, ya, um mundo que transforma o castigo da justiça em espectáculo!, ya, um mundo em que as pessoas trabalham sem saber muito bem porquê na expectativa de serem um dia descobertas por uma máquina que as tritura ao vivo para a televisão!) para depois, no fim, nos mandar um pontapé na cremalheira quando nos apercebemos de que se calhar a metáfora não era assim tão mirabolante e rebuscada.
As duas primeiras temporadas de Black Mirror tiveram isso. Era fácil, quando não inevitável, que empatizassemos com as personagens mesmo quando elas estavam imersas em ambientes tão alienígenas. Essa é, aliás, a marca da melhor ficção científica. Depois disso, com a transferência de Charlie Brooker para o Netflix, ele teve ao seu dispor uma quantidade infindável de meios e um público incomparavelmente maior. Foi pena que se lhe tenham acabado as ideias.
A terceira temporada (primeira da era Netflix) pareceu de repente pôr a nu essa desinspiração. É certo que teve episódios quase universalmente aclamados como San Junipero, mas a verdade é que San Junipero é a Seven Nation Army do Charlie Brooker. Um êxito retumbante, lustroso, feliz, salpicado de algumas das imagens de marca da série, mas inevitavelmente uma deriva das coisas que haviam aproximado pessoas como eu.
Eu dei-lhe uma oportunidade, mas chegar à quarta temporada para dar com isto, é gozar com a cara de uma pessoa. Para me poupar à camada de nervos, os episódios correm-se facilmente. USS Callister é um exercício de masturbação de referências nostálgicas sem uma história decente que o suporte, Arkangel é um trabalho de ficção científica que explora um tema tão original quanto o do “e se fazemos coisas para aumentar a segurança que depois acabam por se tornar coisas que nos limitam a liberdade?” com um final que tenta meter choque à martelada, Crocodile vai pelo mesmo caminho e repete com pequenas variações o episódio The Entire History of You (a sério que já andamos a tentar reproduzir velhos sucessos?), Hang the DJ é uma história de amor genérica que tenta repetir o sucesso de San Junipero, Metalhead é uma traição à série em forma de The Revenant: O Renascido com um cão-robot em vez de um urso e Black Museum (possivelmente o melhor da temporada) parece ter algumas boas ideias que nunca arrancam verdadeiramente.
Pode parecer que estou a exagerar (e talvez esteja), mas se Black Mirror tivesse surgido logo assim neste formato corriqueiro, cheio de lugares-comuns, mas com ideias interessantes, eu nem pensava duas vezes e via todos os episódios sem me enervar. Mas não é esse o caso. Isto já foi verdadeiramente bom. E dá-me cabo dos nervos ver uma série que tinha tudo para ser genial transformada numa coisa toda polida, reluzente e fácil. Charlie Brooker, vai bardamerda com a tua mediocridade!
Eu adorei as críticas porque
lhes ajudar a ter mais juízo nos actores