| CRÍTICAS | A Liberdade do Diabo

A temática da violência tem dado nos últimos anos alguns dos melhores documentários que chegaram às nossas salas de cinema. Filmes como O Acto de Matar ou A Imagem Que Falta, não só nos deixam enjoados com a natureza dos seus relatos, como reflectem sobre o acto humano de violentar outrem, do ponto de vista moral ou simplesmente amoral.

A Liberdade do Diabo é mais um documentário para meter nesta mesma esteira. O realizador Everardo González entrevista várias pessoas ligadas ao submundo do narcotráfico (e não só) no México, sejam eles vítimas, atacantes ou polícias. Há vários casos de testemunhos: mães que viram os seus filhos desaparecerem para sempre às mãos dos cartéis, miúdos que mataram a mando desses senhores do crime apenas pela sensação de poder e polícias e militares corruptos, enleados num sistema já por si só corrupto à partida.

Todos os entrevistados dão o seu relato a olhar directamente para a câmara, mas de forma anónima, protegidos por uma máscara reminiscente da luta livre mexicana, mas completamente despersonalizada. Isso faz com que todos eles acabem por ser reduzidos à mesma pessoa, a uma figura e não a um indivíduo, como que a nos lembrar que, no fundo, todos eles são vítimas, mesmo aqueles que na prática assumem o papel de carrascos.

Os testemunhos são violentíssimos e a força das palavras não necessita de mais artifícios. Lembramo-nos de 48, o documentário em que Susana de Sousa Dias que dava voz às vítimas de tortura pela PIDE, limitando a imagem a fotografias e documentos de arquivo. Aqui, os planos de corte são simples planos de paisagens, do quotidiano das ruas do México ou das casas dos intervenientes.

Como documento, A Liberdade do Diabo é um filme que nos dá uns quantos socos no estômago, pela violência dos seus relatos. Mas como cinema é apenas um documentário de cabeças falantes, preso à sua própria fórmula. Nos interstícios de ambos fica o McChicken que leva para casa.Título: La Libertad del Diablo
Realizador: Everardo González
Ano: 2017

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