Todos nós sonhámos, pelo menos uma vez na vida, conhecer a mulher dos nossos sonhos da forma mais fortuita possível. Aliás, é assim que deveria ser sempre: quando menos esperamos e de forma natural, uma vez que todos os astros estão alinhados para isso desde o exacto momento em que colocamos os pés neste mundo, não é verdade? Por isso, é que Antes do Amanhecer é o filme mais romântico de sempre.
Julie Delpy e Ethan Hawke estão a fazer uma viagem de comboio pela Europa quando se conhecem por acaso. Uma palavra aqui, outra ali e, sem darem por isso, estão a saltar borda fora para passarem uma noite em Praga, deambulando pelas ruas enquanto esperam pelo voo de Hawke de volta aos Estados Unidos. E, como toda a gente sabe, os melhores serões são aqueles que não são planeados.
Richard Linklater salta do comboio com eles e segue-os, de câmara ao ombro, num gesto aparentemente inconsequente, por entre as ruas da capital da República Checa, entra com eles numa loja de discos, vai a um bar, demoram-se pela margem do Danúbio e estica-se na relva de um parque da cidade. Tudo isso enquanto Delpy e Hawke conversam, em diálogos mais ou menos improvisados, sobre tudo e sobre nada: da vida à arte (não é a mesma coisa?), passando pelas suas ideias e ideais, histórias pessoais e planos para o futuro.
Antes do Amanhecer não poderia ser mais simples e, mesmo assim, não deixa de levar para casa o epíteto do melhor filme romântico de sempre. Porque é simples sem ser simplista, humilde sem ser ingénuo e honesto sem ser espertalhão. E, claro, há depois a química de Delpy e Hawke a fazer o resto. Nesta altura, podia nem sequer haver sequelas – ninguém as esperava, para ser sincero – que o McBacon estava mais do que ganho.
Título: Before Sunrise
Realizador: Richard Linklater
Ano: 1995
Até realizar Antes do Anoitecer, Richard Linklater ainda era conhecido apenas como o realizador independente, que fazia filmes sobre uma certa juventude… inconsciente (perceberam o trocadilho?). Mas com esta sequela de Antes do Amanhecer, que se passava exactamente nove anos após o antecessor (o mesmo tempo que distava os dois filmes), Linklater abordava de frente um tema que se tornaria omnipresente no resto da sua filmografia (e que teria o seu zénite em Boyhood – Momentos de uma Vida): o tempo.
Há nove anos atrás, Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy) tinham-se conhecido num comboio no meio da Europa e passado uma noite inesquecível em Praga. Agora, quase por acaso, reencontram-se em Paris e vão passar uma outra tarde juntos. Até ao avião dele para casa, vão ter tempo para porem a conversa em dia, falarem das suas vidas, dos seus casamentos, dos filhos e das suas carreiras. E, claro, do livro que Jesse escreveu sobre esse encontro há quase uma década atrás e que é agora um best-seller internacional que anda a promover pela Europa.
Antes do Anoitecer mantém aquilo que lhe dava personalidade em Antes do Amanhecer: a simplicidade de meios, a naturalidade e o realismo da história. A diferença é que, desta vez, o filme passa-se praticamente em tempo real. Ou seja, enquanto que no anterior havia uma colecção de momentos e diálogos, aqui há apenas uma longa sequência e um longo diálogo, que se constrói de forma sustentada e integrada. E Paris não é tanto uma personagem como o era Praga, apesar do Sena e dos cafés parisienses lá estarem também.
Antes do Amanhecer era o filme mais romântico de sempre, que relatava o encontro fortuito que todos nós gostaríamos de ter (tido) um dia. Por isso, Antes do Anoitecer nunca poderia tentar competir com isso. É antes o rescaldo dessa noite, até porque os seus personagens estão mais velhos e já não são tão idealistas quanto eram há nove anos atrás. Os adolescentes desse filme em Viena são agora homens e mulheres com vida feita. E, infelizmente, a vida nem sempre nos dá os limões que desejaríamos.
Antes do Anoitecer tem apenas a duração necessária para nos reencontrarmos com estas personagens, que foram parte importante da nossa vida no ido ano da graça do Senhor de 1995 e termina com a grande Nina Simone, o que é sempre uma excelente forma de terminar o que quer que seja. E se o final dúbio em Antes do Amanhecer deixava no ar várias possibilidades, o final em aberto de Antes do Anoitecer não deixa hipótese para uma terceira sequela. E até lá ficamos a terminar este McRoyal Deluxe.Título: Before Sunset
Realizador: Richard Linklater
Ano: 2004
Antes da Meia-Noite não foi tão inesperado quanto o anterior Antes do Anoitecer . É que enquanto esse apanhara toda a gente desprevenida, este já era mais ou menos expectável, uma vez que o final em aberto de Antes do Anoitecer deixava a porta entreaberta para uma trilogia. A surpresa maior foi que Antes da Meia-Noite não continuava onde o antecessor terminava, como parecia que ia ser, mas sim nove anos depois.
Com a mesma baliza temporal que separara Antes do Amanhecer e Antes do Anoitecer , e um ano antes da experiência radical de Boyhood – Momentos de uma Vida (um filme rodado ao longo de 12 anos, acompanhando o crescimento e o envelhecimento dos próprios actores), Richard Linklater mostrava aqui estar realmente interessado em explorar a passagem do tempo através do cinema. E esta trilogia fá-lo através do amor e das relações humanas.
Foi o próprio Ethan Hawke que o descreveu um dia: Antes do Amanhecer é um filme sobre o que poderia ser, Antes do Anoitecer sobre o que é e Antes da Meia-Noite sobre o que foi. Ou seja, três estágios das relações humanas ao longo de quase três décadas. E além de vermos as mudanças nas relações deste casal, vemos também as alterações físicas, marcadas nos seus corpos. Ethan Hawke tem essa passagem do tempo bem cravada no seu rosto, cheio de rugas, e Julie Delpy está com uns quilitos a mais desde que os vimos pela primeira vez naquele comboio a chegar à República Checa, jovens e frescos.
Em comparação com os outros dois filmes da série, Antes da Meia-Noite é aquele que introduz novas dinâmicas à sua estrutura, ao inserir outras personagens. Nove anos após Antes do Anoitecer , encontramos Hawke e Delpy a passarem férias na Grécia, juntos e com um casal de gémeos (uma das miúdas chama-se Nina, como a Nina Simone de que eles falam no filme anterior – uma das mil e uma muletas que apoiam os filmes uns nos outros), na casa de um escritor helénico. Na primeira metade, seguimos-los sobretudo à mesa, a almoçarem, naquela que é provavelmente a melhor sequência de toda a trilogia. Aliás, os momentos de refeição têm uma longa tradição na história da sétima arte (numa cronologia que vai de A Grande Farra a Um Segredo de Um Cuscuz, por exemplo) e aqui não é excepção.
Depois Hawke e Delpy entram em modo solo e Antes da Meia-Noite volta a aproximar-se dos seus antecessores: desta vez é Atenas o pano de fundo, mas mais uma vez sem a importância que Viena tem no primeiro filme (onde se assume quase como ela própria a terceira personagem do filme). E a química entre ambos está mais afinada do que nunca, numa altura em que a relação atinge aquele momento de saturação e estagnação que ameaça todos os casais. Nunca na trilogia os diálogos pareceram tão escritos e reescritos (não é por acaso que foi nomeado para o Oscar de melhor argumento), mas sem prejuízo para a naturalidade do filme, dos personagens e dos seus actores.
Ao longo de três filmes, Richard Linklater tem vindo a trabalhar sobre a passagem do tempo, reflectindo sobre as relações sentimentais: uma história de amor que não se ficou pelo tradicional e viveram felizes para sempre e que tem vindo a mostrar o que se passa a seguir desse momento idílico. E nem sempre é bonito de se ver. Mas é assim a vida: ora amarga, ora doce, para nos lembrar que o amor é uma doença, quando nele julgamos ver a nossa cura (perceberam a citação?). E, pelo menos até ver se não há uma quarta sequela, Antes da Meia-Noite é o ponto caramelo (leia-se Le Big Mac) desta trilogia.Título: Before Midnight
Realizador: Richard Linklater
Ano: 2013