O Holocausto, um dos mais tristes episódios da história da Humanidade, sempre despertou uma questão junto dos antropólogos, sociólogos e demais pensadores, que foi: como é que isso foi possível? Como é que foi possível tamanha maldade, como é que as pessoas permitiram e, ainda por cima, no centro do mundo humanista e iluminista. Tivesse vivido até hoje, Hannah Arendt não teria tido necessidade de escrever sobre a banalidade do mal, pois bastaria observar, perante o actual retrocesso civilizacional do mundo ocidental e do crescimento da intolerância, como é fácil as pessoas serem convencidas pelos argumentos racistas, xenófobos, nacionalistas ou discriminatórios que nos aproximam perigosa e (mais assustador ainda) naturalmente de tempos não muito distantes que pareciam que nunca se iriam repetir.
É essa a história de O Capitão, filme ambientado nas últimas semanas da Segunda Guerra Mundial, numa Alemanha prestes a capitular. Max Hubacher é um soldado em fuga, que procura sobreviver como pode, primeiro dos oficiais que o perseguem e a seguir dos populares que procuram defender os seus bens dos ladrões e das pilhagens como podem. Mas assim que descobre por acaso uma imaculada farda de capitão e percebe que o hábito faz o monge, Max Hubacher começar a mudar de atitude, à medida que o poder lhe vai subindo à cabeça. E de soldado raso a criar um tribunal marcial para julgamentos sumários rápidos vai um mero pulinho.
Filmado num preto e branco de alto contraste, que ajuda a polarizar esta dicotomia do Bem e do Mal, e com uma fotografia cuidada e, muitas vezes, inesperada (lembramo-nos inevitavelmente de Ida, de Paweł Pawlikowski), O Capitão instala-se em nós pelo desconforto, como aqueles acidentes de viação que não conseguimos resistir a olhar apesar de sabermos que nos vamos arrepender de o fazer. Por isso, reconhecemos à distância a metáfora que o realizador Robert Schwentke procura aqui, seja à tal banalidade do mal e à desumanização da guerra, como ao Holocausto em particular e todos os tristes episódios bélicos da história do Homem em geral.
No entanto, à medida que o poder vai subindo à cabeça do protagonista e este vai-se tornando cada vez mais cruel, O Capitão vai aproximando-se de um idealismo feito de arquétipos. O absurdo e o humor negro começam a entrar na equação, e o filme vai-se tornando mais e mais grotesco, mais e mais… pasoliniano. Não é que isso seja um insulto, mas com isso O Capitão perde o seu poder de choque, tornando-se antes numa arma de arremesso simbólica. E quando chega o genérico final, com os actores vestidos a preceito com as fardas nazi, a deambular pelas ruas alemãs num efeito anacrónico de contaminação do real pela ficção, a transformação de O Capitão está finalmente completada. Não foi, contudo, uma metamorfose perfeita e sem percalços. O McBacon tem aqui e ali pedaços mal passados, que ganhariam mais se passassem mais alguns minutos na chapa.
Título: Der Hauptmann
Realizador: Robert Scwentke
Ano: 2017