| CRÍTICAS | No Coração da Escuridão

Não é muitas vezes mencionado e é ainda mais vezes subvalorizado, mas Paul Schrader – mesmo tendo arrasado Easy Rider – é um dos nomes fundamentais dos movie brats, que dinamitaram a velha Hollywood e instauraram uma nova ordem. No entanto, apesar de títulos importantes (alguém mencionou A Rapariga na Zona Quente ou American Gigolo?), o Schrader mais importante é mesmo o argumentista, ou não tivesse sido ele a escrever Taxi Driver.

Paul Schrader está de regresso às parangonas, apesar de nunca ter realmente desaparecido (viram Adam Renascido?, excelente filme despachado sem apelo nem agravo para dvd em Portugal), graças a No Coração da Escuridão. É um filme que é uma espécie de primo mais ou menos distante de Taxi Driver, tem Ethan Hawke em estado de graça e remexe, de forma mais indirecta do que directa, com a espiritualidade (mais do que com a religião), tema sempre presente, de uma forma ou de outra, na obra do norte-americano.

Paul Schrader teve uma infância religiosa super-conservadora e refere várias vezes que ó viu  primeiro filme quando tinha 17 anos. Esse passado rígido reflecte-se da mesma forma tanto em Taxi Driver quanto em A Última Tentação de Cristo. Tanto Travis Bickle quanto Jesus Cristo lidam nesses filmes com a mesma inquietação existencial e é a busca por uma qualquer catarse que faz os filmes acontecerem.

Ethan Hawke atravessa a mesma espécie de desconforto existencial. Ele, reverendo numa pequena igreja protestante no interor norte-americano, tem uma pesada bagagem emocional que não ajuda nada a refrear esse ímpeto: um filho falecido precocemente e a respectiva dose de culpa, um divórcio, uma certa incapacidade para se relacionar socialmente e uma doença galopante que reprime e esconde da mesma forma que o faz em relação ao seu alcoolismo. Onde é que já vimos isto?

Quando um jovem activista ambiental (Van Hansis) se suicida e Hawke herda o seu colete de explosivo, algo poderá finalmente acontecer e talvez a redenção seja possível através da violência. Afinal de contas, era assim que Martin Scorsese terminava Taxi Driver, não era?

No Coração da Escuridão é um fiilme com o seu próprio tempo e ritmo, que se desenrola nas entrelinhas. Hawke é um reverendo, mas o filme não é sobre religião. É antes sobre a espiritualidade e, para entender isso, é fundamental o seu diário, que vai escrevendo ao longo do filme, e que funciona como narrador da sua própria história. Schrader filma com a câmara fixa e em 4 por 3, dando-lhe um ar de outros tempos e também de cinema europeu. Lembramo-nos de Ida, tanto formal quanto tematicamente, mas também de Letters to Father Jacob, um fantástico e pouco conhecido filme finlandês. No Coração da Escuridão não vai trazer Paul Schrader para o lugar de destaque que merece, mas felizmente ã-nos mais um McBacon para afiambrar o dente.

Título: First Reformed
Realizador: Paul Schrader
Ano: 2017

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