Sempre que estreia um filme português com elementos fantásticos lá vem logo o carimbo de primeiro filme português de ficção-científica (lembram-se quando estreou o Contraluz?). Mas o que é certo é que raramente se recorda Aparelho Voador a Baixa Altitude. Pode não ser o primeiro filme de ficção-científica nacional, mas Solveig Nordlund é a realizadora que mais vezes adaptou ao grande ecrã obras do J. G. Ballard. E só isso merece respeito.
Aparelho Voador a Baixa Altitude é uma história distópica sobre um futuro onde a humanidade está prestes a extinguir-se. Devido às mutações genéticas, as mulheres deixaram de emprenhar e as que conseguem geram seres deformados, cegos e apenas sensíveis a cores fluorescentes – os Zote. Margarida Marinho e Miguel Guilherme podem ser o último casal a ter um bebé normal e, com alguma manha pelo meio, fogem de uma Suécia prestes a fechar as portas e refugiam-se nos hóteis abandonados de Tróia, a saudosa e decadente Torralta que os Roxette usaram para os seus clips, pré-resortes-de-luxo-do-tio-Belmiro.
Aliás, a Torralta é mesmo o grande trunfo de Aparelho Voador a Baixa Altitude. As torres abandonadas no meio de uma praia idílica são o veículo perfeito para transmitir uma sensação de desespero e de mundo prestes a colapsar, qual pós-apocalipse em CGI. E podem esquecer as ruas desertas de Eu Sou a Lenda. Quanto ao resto não havia muito dinheiro para gastar, por isso as personagens são transportadas o mais rápido possível para a freguesia de Grândola, passando o menos possível por locais que denunciem o nosso tempo.
Solveig Nordlund nasceu na Suécia, mas naturalizou-se portuguesa há muito tempo, tendo trabalhado com João César Monteiro e Manoel de Oliveira. Por isso, o cinema português está-lhe no sangue, assim como os dramas gelados de Ingmar Bergman. O que resulta é uma obra muito própria, contemplativa e reflexiva, mas com espaço para os actores. Especialmente para Margarida Marinho, com uma interpretação acima da média (há um sonho em que se contorce ensaguentada numa cadeira de ginecologia no meio de uma sala abandonada que faria os produtores de Saw – Enigma Mortal terem um AVC de felicidade), abrindo o livro num filme que acaba por ser sobretudo acerca da maternidade, temática reincidente por Nordlund no seguinte A Filha.
Aparelho Voador a Baixa Altitude tem ainda o ambiente claustrofóbico de Bunker Palace Hotel, com o casal de protagonistas encerrado num hotel de aspecto caquético com um grupo de idosos que já devem anos à morte, enfiados em paranóia e outros distúrbios mentais. É o que dá conviver com Badaró, que anda por lá a balançar os pés à borda da piscina. Portanto, Aparelho Voador a Baixa Altitude é o grande filme nacional de ficção-científica (assim mesmo, com o artigo definido em itálico), o que se traduz em miúdos por um McBacon.
Título: Aparelho Voador a Baixa Altitude
Realizador: Solveig Nordlund
Ano: