Uma das principais forças do cinema de David Lynch é a de estender uma capa de normalidade, atrás da qual estende a sua galeria de coisas grotescas e surreais. Por isso, quando depois nos atira um anão a falar ao contrário e outras esquisitices, o impacto é duplicado ou triplicado. É assim nos seus melhores filmes, começando no Veludo Azul e terminando no Twin Peaks.
É exactamente isso que faz Alejandro Fadel em Murder Me, Monster, que esteve em competição na secção Un Certain Regard, em Cannes, e no MotelX. É no interior do México, num daqueles lugarejos consumido pelo próprio tempo, que o agente da polícia rural, Cruz (Esteban Bigliardi), vai investigar as estranhas mortes de mulheres que aparecem decapitadas. É um ambiente de normalidade, apesar do registo policial (cujos laivos paranormais, chamemos assim, lembram outro primo de Twin Peaks, True Detective) entre a pacatez do local, a bonomia dos intervenientes e o ritmo compassado das suas acções que depois é colocado em causa pela estranha criatura que anda a matar as mulheres e a deixa-las cobertas em baba amarela ou pelo comportamento errático de David (Francisco Carrasco).
É com um estilo muito observacional e um tom muito próprio que Murder Me, Monster se desenrola, numa espécie de terror melancólico, como alguém o descreveu. Contudo, terror hipnótico também não lhe colava mal, para usar outro rótulo criado recentemente, para descrever outra proposta alternativa do cinema fantástico que é Luz. Isso faz com que os actores tenham espaço para as suas personagens crescerem e tornarem-se figuras completas, tanto de corpo como também de alma.
Depois, Murder Me, Monster começa a preencher-se com elementos que têm tanto de surreal quanto de onírico. Há a tal criatura, de que já falámos, à qual se junta a estranha teoria de Cruz que, afinal, pode não ser tão estranha quanto isso e que envolve um obsessivo mantra, que repete ad eternum Mata-me monstro, e a geometria das montanhas circundantes.
Não quer dizer que isto venha a trazer algum significado ao filme. Antes pelo contrário, já que quanto mais se aproxima do final, menos são as respostas que dá. E o fim sem dar propriamente uma justificação a Murder Me, Monster pode ser frustrante para muito boa gente. No entanto, este não deixa de ser um inusitado filme fantástico, cheio de camadas para raspar e alguns dos momentos mais estranhos deste ano cinematográfico. Um McRoyal Deluxe que, por vezes, até vale mais pela forma do que pelo conteúdo.Título: Muere, Monstruo, Muere
Realizador: Alejandro Fadel
Ano: 2018