Olhamos para o título, para o cartaz e para a curta sinopse de A Casa Junto ao Mar e, por algum motivo, adivinhamos um qualquer drama geriátrico mais ou menos bem disposto ou inspirador. Infelizmente, nesta altura do campeonato, o modelo para “filme geriátrico” é O Exótico Hotel Marigold. Por isso, só a leve associação faz-nos logo calafrios na espinha. Vivemos tempos assustadores. A extrema-direita e o nacionalismo crescem galopantemente em todo o mundo, a democracia e vários direitos adquiridos estão em retracção e o Cocoon – A Aventura dos Corais Perdidos deu lugar a O Exótico Hotel Marigold como exemplo do filme de séniores. Não são tempos felizes para estarmos vivos…
No entanto – e felizmente -, a nossa primeira percepção de A Casa Junto ao Mar não podia estar mais enganada. Vemos logo isso na cena inicial, em que o realizador Robert Guédiguian filma Fred Ulysse a ter uma crise cardíaca, só com um plano da sua mão. Há subtileza e elegância numa solução tão inteligente quanto certeira, dando o mote para o resto do filme. Não há nada de feelgood movie aqui. A Casa Junto ao Mar é antes uma espécie de Os Amigos de Alex em versão melancólica. Como assim?
É que com Fred Ulysse apoplético, os seus filhos regressam à casa onde cresceram, numa terreola à beira-mar junto a Marselha, que já não tem nada do sítio comunitário de há décadas atrás. Agora foi invadido pelo turismo, transformando-de numa localidade sazonal e de passagem para pessoal com dinheiro que vai ali viver a vida no campo durante uma semana por ano. A Casa Junto ao Mar é assim um filme sobre um tempo que passou e sobre um que terminou.
Tal como em Os Amigos de Alex, os irmãos Angéle (Ariane Ascaride), Joseph (Jean-Pierre Darroussin) e Armand (Gérard Meylan) vão reavaliar as suas vidas, sacudir a poeira dos esqueletos que têm no armário e tentar enterrar remorsos antigos, que vêm todos ao de cima neste reencontro forçado. Por isso, A Casa Junto ao Mar é também um filme sobre começar de novo. Recomeçar ou morrer, já que a primeira é a única alternativa à segunda.
A Casa Junto ao Mar é ainda um filme sobre os sinais dos tempos, que não podia ser mais actual. Por um lado, a gentrificação e a massificação do turismo por cima de toda a folha, levando à ruína (física, monetária e psicológica) de quem já cá estava e não consegue resistir aos avanços do capitalismo; e por outro a crise dos emigrantes, que continuam a chegar aos magotes por mar e que a Europa, o continente mais elevado de todos, continua sem saber como agir.
E depois há toda uma cena que é incrível. Num curto flashback (há outros antes que são totalmente dispensáveis e, claramente, o pior do filme), regressamos à adolescência daqueles irmãos, num cena veraneante ao som do Bob Dylan, em que chegam de carro à aldeia. A nostalgia grita por todo o lado, quando começamos a reparar bem que todos aqueles actores são bem parecidos aos seus equivalentes na actualidade. Onde é que Guédiguian foi encontrar gente tão semelhante? Será CGI? Não, é apenas a cena de um filme de 1986, com os mesmos actores, chamado Ki Lo Sa?, que o realizador repesca e se apropria para este A Casa Junto ao Mar, em mais um exercício sobre o tempo que passou e o de agora.
Apesar de não ser perfeito, A Casa Junto ao Mar é um filme de ideias e valores dignos de registo, feito com desenvoltura e um certo savoir faire que é cada vez mais difícil de encontrar, até mesmo no cinema francês. Por isso, esqueçam lá o parágrafo inicial, não há nada de geriátrico aqui. Há antes um McBacon, redondinho e perfeito, que se come numa trinca só.
Título: La Villa
Realizador: Robert Guédiguian
Ano: 2018