| CRÍTICAS | A Woman Captured

Marish tem 53 anos. Não tem dentes porque lhos partiram no último “emprego” que teve como “empregada doméstica”. No hospital conheceu uma mulher que a “salvou” escravizando-a durante 11 anos. Marish é obrigada a manter um emprego numa fábrica para dar o seu ordenado à sua “patroa”, “dorme” num sofá durante um par de horas por dia, é humilhada e enxovalhada diariamente, é tratada pior do que o cão da família, foi obrigada a separar-se da filha e tem um medo de morte do que lhe pode acontecer se fugir.

Ainda só escrevi um parágrafo e já vou com cinco usos de aspas. Tem de ser assim porque nada na vida de Marish é igual ao que estamos habituados. É uma existência sub-humana de alguém que parece estar já imune a qualquer sentimento humano até ao dia em que decide falar e conseguimos ver toda a humanidade que procurávamos. Aos poucos vamos percebendo que as humilhações a atingem, que sonha com liberdade, que tem desejos sexuais.

Mas vamos por partes. A Woman Captured é o resultado de dois anos e meio de trabalho de Bernadett Tuza-Ritter, realizadora húngara que decide explorar o tema da escravidão moderna ao subornar a “patroa” de Marish (que escraviza outras duas pessoas). A princípio não conseguimos deixar de suspeitar daquela coisa toda, afinal de contas, quem é que se deixa escravizar nos tempos que correm na Europa? Mas depois, Tuza-Ritter, através de um trabalho infinitamente paciente e verdadeiramente épico, consegue estabelecer uma relação com Marish que nos permite ter acesso aos recantos mais obscuros da sua mente e conseguimos, finalmente, perceber.

Este não é um trabalho neutro e equidistante. Nem o poderia ser. É o trabalho de alguém profundamente apostado em expor esta realidade e é o trabalho de uma realizadora que estabelece um forte laço com o objecto do seu documentário ao ponto de encorajar Marish a, no silêncio da noite, fugir para o vazio que espera ser melhor do que a “vida” que leva.

É impressionante a coragem de Marish e é impressionante o laço estabelecido entre estas duas mulheres. Com meia dúzia de euros no bolso, Marish, acabada de fugir, decide oferecer uma prenda à realizadora para lhe demonstrar o apreço e gratidão que sente: um gel de banho. E neste ponto a odisseia está longe de terminada.

Vale muito a pena ver A Woman Woman e, nos tempos que correm, é pena não haver mais documentários assim. É refrescante ver um documentário em que a realizadora desempenha um papel tão importante e consegue fazer com que nada disto seja sobre ela, mas sobre Marish que, afinal, parece que nem Marish se chama. Esse era só o seu nome de escrava. Nem sei bem como acabar esta prosa, de forma a enfiar aqui o McRoyal Deluxe da pontuação final.

*por Diogo Augusto

Título: A Woman Captured
Realizador: Bernadett Tuza-Ritter
Ano: 2017

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