A Portuguesa tem sido comparado por toda a gente com o cinema de Manoel de Oliveira (e muitas vezes com o Silvestre, de João César Monteiro). Em entrevista, a realizadora Rita Azevedo Gomes, confrontada com isso, reconhecia a influência, mas acrescentava que isso só acontecia por ser portuguesa. Se fosse nórdica, seria certamente comparada a Bergman.
Não deixa de ter razão. É que o cinema de Rita Azevedo Gomes tem algo de antigo, de outros tempos, devido a uma certa componente artesanal. É um cinema de câmara fixa e planos compostos, que raramente se mexem ou, quando o fazem, é apenas na horizontal. Há duas excepções em todo o filme, incluindo um incrível plano que ganha profundidade de campo à medida que a câmara recua e novas personagens surgem no enquadramento.
Também a palavra tem aqui um papel fundamental (Agustina Bessa-Luís adapta o conto de Robert Musil ao grande ecrã e faz mais uma rima muda com Oliveira), já que é mais um filme de diálogos do que de actores. A Portuguesa não é teatro filmado, mas antes um cinema impressionista, que desacelera e envolve-nos nessa dormência mais ou menos latente. Não tem nada de compressão ou expansão do tempo, é apenas o ritmo de outros tempos, de uma altura em que este demorava mais a passar, ao contrário de hoje, em que nos deslocamos a 120, mas raramente chegamos a algum lado. Isso faz duplamente sentido, primeiro por se passar no século XVI e, segundo, por ser um filme sobre a espera e… a passagem do tempo.
Clara Riedenstein é então uma nobre portuguesa que casa com o senhor von Ketten (Marcello Urgeghe) e que, após um ano de lua-de-mel, regressa pela primeira vez a casa apenas para descobrir que ele, afinal, estava casado com outra – com a guerra! Por isso, durante os 11 anos em que este passa a guerrear com o bispo de Trento, resta a Clara Riedenstein eserar, num castelo semi-abandonado e rodeada de um bestiário (gatos e lobos) e de uma aia moura que levam os locais a considerarem-na herege.
Também a nós o filme vence-nos pelo cansaço. Os planos são irrepreensíveis, mas falta-lhes acontecer para lá da palavra. E mesmo a histórica Ingrid Cavem, que ainda recentemente vimos em Suspiria, em registo meio-oráculo meio-coro grego, que vai surgindo a cantar cantigas de amigo com arranjos de José Mário Branco, parece apenas um capricho da realizadora ou um mero gesto artsy (ou ambos). A Portuguesa é muito bonito, mas falta mais filme a este Happy Meal.
Título: A Portuguesa
Realizador: Rita Azevedo Gomes
Ano: 2018