Daqui a algum tempo, alguém irá debruçar-se sobre a carreira de Nicolau Breyner enquanto realizador de cinema e perceber alguns méritos escondidos . Irá pegar no fiasco Second Life, do qual chegou a estar associado, em Contrato e neste A Teia de Gelo, encontrar algum paralelismo com A Arte de Roubar e o seu sotaque macarrónico de Inglês, e concluir que ele foi alguma espécie de Jess Franco português. Terá é que ser daqui a mesmo muitos anos, com a devida distância temporal, porque nós aqui olhamos para trás e não conseguimos ver nada. Mas de certeza que estará lá alguma coisa…
A Teia de Gelo foi o último filme de Nicolau Breyner enquanto realizador e mais um que teve uma verão em língua inglesa, na longa tradição do cinema português em penar que assim consegue almejar a tão desejada internacionalização. O que estes autores não percebem é que Hollywood faz estes filmes a metro, numa indústria quase automatizada, enquanto nós continuamos sem ter qualquer tradição de cinema de género. O que vão havendo são excepções como esta e sempre feitas à maneira de.
A Teia de Gelo começa em São Tomé, onde Diogo Morgado modifica um algoritmo(!) e desvia todo o dinheiro do patrão (Nicolau himself) para a sua conta. Depois põe-se em fuga, ao encontro da namorada, na nevosa Serra da Estrela. Um contraste entre o sol de África e a neve das Penhas Douradas, que podia ter sido explorado se as curtas imagens de São Tomé não fossem todas elas um cliché do continente africano (até é de admirar que os locais não vivam em palhotas e usassem ossos no nariz).
E por falar em clichés, A Teia de Gelo parece não falhar um. É como se fosse uma sátira, mas em sério. Os softwares e as técnicas de hacker que fazem lembrar coisas como isto ou isto, os maus que andam sempre de pistola na mão e passa-montanhas na cabeça para sabermos que são bandidos e a namorada raptada, atada e amordaçada, mas que pode atender o telefone. Só que depois, a meio, Diogo Morgado chega a uma casa isolada no meio da Serra da Estrela e começa outro filme. Felizmente, este é ligeiramente melhor (o que também não era difícil, diga-se).
Das duas uma: ou A Teia de Gelo foi a fusão de duas curtas numa longa, para aproveitar os actores e o orçamento; ou Nicolau Breyner quis bater algum recorde do Guiness e experimentar todos os sub-géneros do cinema de acção e fantástico num só. Assim, depois do heist movie e o filme de perseguição da primeira metade, A Teia de Gelo transforma-se em thriller psicológico e claustrofóbico, com laivos de surrealismo, tensão sexual, cabin fever e, caro, do inevitável slasher. Com isto, a namorada raptada de Diogo Morgado desaparece de vez da história (será que sobreviveu?), mas os seus perseguidores ainda vão surgindo de quando em vez, sem razão aparente que não o comic relief involuntário.
Diogo Morgado vai dar então a uma casa cheia de mulheres (Margarida Marinho, Patrícia Tavares, Sandra Cóias e Paula Lobo Antunes), em que todas agem de forma estranha sem razão aparente. Em comum, apenas o facto de todas elas quererem dormir com o Hot Jesus, mas estranhamente não há nudez gratuita nem muitas cenas erotico-friendly. No fina, tudo termina com uma das mais irritantes muletas dramáticas do género, a dos gémeos. O que, tendo em conta que Contrato terminava com toda a gente a tirar máscaras à Scooby Doo, prova que Nicolau era um classicista xunga.
Infelizmente, A Teia de Gelo é igualmente oco no que diz respeito a ideias d ecinema, feito com o anonimato da escala televisiva, em que só na banda-onora dá algum azo à liberdade criativa. Mas nem a Áurea nem os Moonspell fazem ali algum sentido. Por isso, o que justifica aqui a Hamburguesa de Choco? Nem sei bem, talvez a boa vontade de se tentar fazer cinema de género em Portugal.
Título: A Teia de Gelo
Realizador: Nicolau Breyner
Ano: 2012