| CRÍTICAS | Aurora

Em 1927, F. W. Murnau atravessava o Atlântico e, ao chegar aos Estados Unidos, assinava Aurora, melodrama que abordava o eterno conflito do em versus mal através do confronto entre o campo (puro e virginal) e a cidade (pérfida e viciosa). Em 2018, Aurora é também o nome de um navio que se virou ao largo de uma pequena lha filipina, encurralando no porão centenas de pessoas que viajavam ilegalmente e arruinando a vista da pequena residencial da ilha.

Ou seja, este Aurora – filme filipino fantástico, de 2018, agora disponível na cada vez mais esquizofrénica Netflix – nada tem a ver com o outro Aurora – de 1927, drama e o primeiro filme americano de Murnau -, mas funciona como uma boa introdução. E se atrair alguém a ler este texto, então ao menos já serviu para alguma coisa.

Temos então um barco meio-afundado meio encalhado a poucos metros de um hotel semi-abandonado, uma vez que todos os hóspedes se foram embora – quem quer estar de férias com uma vista daquelas?, ainda para mais sabendo que centenas de corpos continuam lá dentro -, deixando as manas Leana (Anne Curtis) e Rita (Phoebe Villamor) sozinhas. Ou seja, está mais do que visto o que é que os fantasmas daquelas pessoas irão assombrar. Ainda para mais se Leana se for pôr para lá a bisbilhotar, à procura de cadáveres.

Aurora é a enésima variação da história de fantasmas, que vêm assombrar os vivos até que consigam a paz suficiente para o descanso eterno. Por isso, o que verdadeiramente interessa aqui é a forma e não o conteúdo. E o realizador Yam Laranas parece estar bem consciente disso. Por isso, filma Aurora quase como um filme sensorial, com muitos planos reflexivos e bonitos, que criam ambiente e dão personalidade ao filme.

Mas Laranas não se furta a um par de pecados capitais. O primeiro é a banda-sonora, com uns coros épicos que são usados abusivamente em todas as situações e que nos fazem querer espetar um picador de gelo nos ouvidos após os primeiros 15 minutos. E o segundo é a falta de ritmo na montagem, já que falha quase sempre o timing para a jump scene. E se há género em que o timing é tudo, esse género é a comédia. E o terror.

Mas o pior de tudo em Aurora é o aproveitamento gratuito que faz de Raul Dillo, um tipo com gigantismo que é o responsável por todos aqueles fantasmas não terem descanso. O problema é que ele aparece já perto do final e logo a seguir desaparece, para nunca mais voltar a aparecer. Tal como no filme, em que era vítima de bulliyng por toda a gente por ser diferente, também Yam Laranas faz o mesmo e aproveita-se para explorar o seu look anormal.

Por isso, este Aurora não faz esquecer o Aurora de Murnau. Também não tenho bem a certeza se um Cheeseburger faz esquecer o que vimos, mas como até simpatizei com o filme, estou na disposição de tentar.

Título: Aurora
Realizador: Yam Laranas
Ano: 2018

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