Dizem que todos os artistas são loucos. De certa forma, os bons artistas têm de o ser, para conseguirem alhear-se do público e do mundo circundante, de forma a serem totalmente puros e originais. Mas será essa loucura um termo literal? É sabido que grandes artistas como Van Gogh ou Beetohven tinham distúrbios mentais, mas será a loucura um requisito fundamental à arte? Daniel Johnston é um dos artistas loucos (literalmente) contemporâneos e, consequentemente, surge rodeado de uma aura romântica que, pelo menos, um filme já lhe valeu.
Daniel Johnston é visto por uns como um génio autêntico, cujos distúrbios mentais não são mais do que ferramentas para a realização de uma arte ímpar. Por outros, é apenas visto como um indivíduo doente que toca umas músicas muito ingénuas e cujo frenesim que se reúne à sua volta se resume a uma palavra: hype. Para muitos outros, infelizmente, é apenas um nome. Mesmo que, com a sua morte, agora todos sejam fãs dele no facebook.
O que é certo é que Daniel Johnston logrou alcançar o que muitos artistas não conseguiram em vida. Não, não é vender um quadro (por acaso isso também já conseguiu); é ter um filme sobre a sua vida. Não é bem um filme, é antes um documentário que relata toda a danielmania ao longo destas décadas. E pelo caminho relata as suas fragilidades emocionais e mentais, contextualizando a sua obra. No final, mantém-se pela imparcialidade e deixa o espectador decidir se aquilo é arte ou apenas sobrevalorização.
Daniel Johnston é uma espécie de Andy Kaufmann da música, misturado com as convições ideológicas de Charles Manson. Pode parecer assustador, mas actualmente ele é apenas uma criança no corpo de um adulto (um adulto com uma grande barriga de cerveja), conservado em medicação. Desde muito cedo que decidiu que iria ser um artista famoso e isso, aliado aos distúrbios mentais e a uma auto-confiança lastimosa, levaram-no à insanidade, à depressão e à prisão várias vezes.
Daniel Johnston crê ter vindo ao Mundo para o salvar pela música e, como tal, Satanás o tem perseguido e tentado sabotá-lo. Como tal, é adorado por uns e odiado por muitos mais. Como dá para ver, é perigoso confiarmos num tipo que acredita piamente nisto, mas se virmos bem as coisas, sem ideias simbólicas, é nisso que a sua vida se transformou. O que é certo é que Daniel Johnston tem criado fãs por todo o lado, é tido por muitos como um dos grandes compositores à face da Terra ao lado de Bob Dylan e até já ganhou prémios por causa disso. Só precisava mesmo de um empurrãozinho e isso aconteceu em 1991, quando Kurt Cobain começou a usar uma t-shirt dele.
Actualmente a danielmania abrandou bastante e este Loucuras De Um Génio serve como o apito final, como o momento em que devemos parar, sentar-nos e reflectirmos a sério sobre o que significou o seu contributo para a música. Há quem o compare ao génio tormentado que é Brian Wilson. O que é certo é que as suas músicas têm sido gravadas por dezenas de artistas ao longo dos anos, desde Tom Waits a Wilco. Até quem nunca ouviu nada dele o conhece de um anúncio da Optimus que bombou aqui há uns anos com insistência.
Quanto a Loucuras De Um Génio proriamente dito é um documentário bastante bem feito, com uma linha argumentativa perfeita, em que cruza o estilo clássico com uma vertente mais pop, de acordo com a natureza da obra de Johnston. Usa ainda os arquivos imensos do próprio artista, como uma espécie de um Tarnation feito por outra pessoa. Depois, arrisca ainda as reconstituições na primeira pessoa e alguns apontamentos que funcionam muito bem, como uns apontamentos sonoros e um karaoke no final. E quem diria que este texto terminaria com karaoke e McRoyal Deluxe na mesma frase?
Título: The Devil and Daniel Johnston
Realizador: Jeff Feuerzeig
Ano: 2005