| CRÍTICAS | Tommaso

Abel Ferrara, que sempre foi um dos realizadores norte-americanos mais europeu de todos, mudou-se de armas e bagagens para Roma, onde se estabeleceu. E isso foi quase um gesto legitimador do seu cinema (não que precisasse de um). Por isso, quando Ferrara faz em Tommaso o seu 8 ½, nada disso parece estranho. Antes pelo contrário, é um gesto quase natural.

Portanto, é quase impossível não ver em Willem Dafoe uma projecção do próprio Abel Ferrara: um cineaste americano a viver em Roma, a braços com uma espécie de bloqueio criativo, enquanto gere a crise matrimonial (e a falta de comunicação que daí advém) com a sua esposa (a moldava Cristina Chiriac), vai às sessões dos alcoólicos (e não só) anónimos e dá aulas de representação. Tommaso até pode não ser autobiográfico, mas não há dúvidas que se alimenta dessa parte mais pessoal de forma vampiresca. Além disso, é um filme caseiro, quase um home-movie, em que a casa de Willem Dafoe é a casa de Abel Ferrara e a actriz que faz de sua esposa, assim como a bebé que faz de filha de ambos, são a própria mulher e filha de Ferrara.

Além disso, Ferrara deambula pelos temas habituais do seu corpo de obra: a culpa e a consequente redenção. É a sua costela italiana, religiosa e temente a Deus, de raiz judaico-cristã. Obviamente que depois isso vai encontrar eco no crístico Willem Dafoe, que em tempos já pagou pelos pecados de toda a Humanidade pregado a dois pedaços de pau e que vai terminar novamente o filme crucificado, desta vez em plena Stazione Termini de Roma.

Entre o real e o simbólico, Tommaso é uma espécie de work-in-progress, que tanto serve para convocar como para expurgar fantasmas e assombrações pessoais. No entanto, fica sempre a dúvida se esse é um filme de Abel Ferrara para nós, espectadores, ou um filme de Abel Ferrara para ele próprio. Ou será que isso é a mesma coisa? É essa a grande questão deste Double Cheeseburger.

Título: Tommaso
Realizador: Abel Ferrara
Ano: 2019

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