| CRÍTICAS | O Farol

O cinema em Portugal é um lugar estranho. Em 2015 estreava A Bruxa, mas ninguém teve coragem de o estrear nas nossas salas. Bem ou mal, até dá para perceber a questão. Era um filme dum realizador debutante, filmado a preto e branco e com um ritmo lento, difícil de vender comercialmente. A Bruxa acabaria por ser mesmo um dos melhores filmes de terror desta década e, por isso, quando o realizador Robert Eggers termina o seu muito ansiado segundo filme quatro anos depois, o que fazem as distribuidoras portuguesas? Exacto, voltam a ignora-lo.

Tal como A Bruxa, O Farol mantém algumas marcas autorais. Desde logo o preto e branco de alto contraste, se bem que aqui a iluminação não é apenas natural como o era no filme anterior. Depois o formalismo de planos fixos e longos, que lhe dão um certo ar artesanal, um certo fazer de outrora, que podemos ir encontrar em gente como… Manoel de Oliveira, por exemplo. Além disso, Eggers filmou desta vez num 4 por 3 pouco habitual, que além de sublinha essa ideia de cinema antigo, reforça ainda a claustrofobia do filme ao fechar ainda mais a imagem. Resumindo e baralhando: apesar de serem filmes de terror, o cinema de Robert Eggers não tem nada de blockbuster.

O Farol é a história de dois homens (Robert Pattinson e Willem Dafoe) que vão passar três meses num farol perdido num rochedo qualquer no meio do mar. Dafoe é um velho experiente no ofício e faz da idade um posto, enquanto que Robert Pattinson é maçarico naquelas andanças, ao mesmo tempo que parece estar a fugir de qualquer coisa. Além de estarem os dois sozinhos num calhau no meio do mar – sozinhos não, porque há gaivotas, muitas gaivotas… e vai haver, inclusive, violência bruta com uma delas -, o clima também não é propriamente agradável. Ou seja, aquele farol não é mais do que uma panela de pressão pronta a explodir.

É assim um pulinho até realidade e loucura começarem a misturar-se. Há ruídos estranhos, espécie de avistamentos, gaivotas raivosas, muito álcool a potenciar esta mistura explosiva e dois homens que vão chocar de frente. Há ainda referências a Moby Dick, a Robinson Crusoe e outra literatura de marinheiros, assim como a Edgar Allan Poe. Já sabemos como vai terminar, só nos falta ver como é que vai acontecer. E é essa a parte diferente do cinema de Eggers.

Tal como em A Bruxa há sempre um pendor sobrenatural, que nunca percebemos se é real ou fruto da nossa imaginação. O problema é que, enquanto que nesse havia um build up em ebulição latente, aqui a coisa anda aos tropeções. Por vezes, as personagens nem sequer reagem aos eventos e ficamos sem perceber o que é que se passou. Sentimo-nos confusos e não no bom sentido. E isso estraga por completo a experiência de O Farol. É um filme imersivo, que com o cinema hermético de Eggers, exige toda a disponibilidade do espectador. Mas é difícil dar-lhe mais do que um Happy Meal quando o que recebemos em troca é, em grande parte das vezes, diarreia mental.

Título: The Lighthouse
Realizador: Robert Eggers
Ano: 2019

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *