| CRÍTICAS | Um Príncipe em Nova Iorque

Antes de haver Wakanda, havia Zamunda (na verdade Wakanda já existia antes de Zamunda, mas vamos pensar apenas em termos cinematográficos). Tanto um como o outro são reinos fictícios, com tanto de próspero quanto de idílico, localizados algures em África. No entanto, enquanto que o primeiro encontra um país virgem ao contacto com “o Homem Branco”, o segundo representa traços dos regimes totalitários africanos pós-colonialismo dos anos 80, que no cinema ficaram cristalizados num só filme: o documentário de Barbet Schroeder sobre o ditador do Uganda, Idi Amin Dada.

James Earl Jones e Madge Sinclair são os reis de Zamunda e Eddie Murphy o príncipe herdeiro. Zamunda é tão próspera que Eddie Murphy é super-mimado. Só caminha sobre pétalas de rosas, não tem qualquer actividade braçal e até há uma criada para lavar o pénis real (lol). Eddie Murphy está cansado daquela vida castradora e aborrecida, mas a gota de água é quando os pais lhe preparam um casamento arranjado. Eddie Murphy prepara então uma derradeira viagem aos Estados Unidos, com o seu melhor amigo Arsenio Hall, onde vai tentar viver a vida real e conhecer uma mulher que o ame pelo que é e não por quem é.

A mensagem deste Um Príncipe em Nova Iorque não é nova. No entanto, o realizador John Landis não se limita a fazer uma caricatura, montando uma sátira sobre a negritude, que apesar de datada aos anos 80, não envelheceu nada mal e continua bastante pertinente. O que pode servir de prova a que vivemos numa sociedade onde o racismo é estrutural e sistemático, ao contrário do que muitos querem acreditar. A cena em que Eddie Murphy e Arsenio Hall vão ao evento da Miss da Semana da Consciência Negra é tão mordaz quanto divertida, por exemplo.

Eddie Murphy, que estava no topo da sua carreira, começa aqui uma tendência dos seus filmes que viria a cair no exagero e na patetice: a de incarnar outros personagens. Eddie Murphy é aqui, inclusive, um judeu branco, com uma caracterização impecável, com Arsenio Hall a dar-lhe uma perninha. Eddie Murphy ainda trazia consigo as dinâmicas das suas rotinas de stand up comedy (e do Saturday Night Live), mas todos sabemos onde é que isto foi parar, não é?

Para a segunda metade, Um Príncipe em Nova Iorque – que tem sempre uma aura muito John Hughes – põe de parte a comédia e o choque de culturas e torna-se mais sério. É quando Eddie Murphy conhece aquela qe há de vir a ser a sua futura esposa (Garcelle Beauvais) e Um Príncipe em Nova Iorque se torna num filme de mensagem, numa década em que as comédias não eram apenas cascas ocas de escatologia e piadas sem graça, tendo mesmo algo para dizer.

Numa altura em que a) parece que vem aí uma sequela de Um Príncipe em Nova Iorque e b) as questões raciais continuam na ordem do dia (incrível como estamos em 2020 e ainda temos que lutar por isto), faz todo o sentido (re)ver o filme. Até porque é um dos melhores McRoyal Deluxes de John Landis e de Eddie Murphy (eles que colaboraram inclusive mais duas vezes).

Título: Coming to America
Realizador: John Landis
Ano: 1988

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