| CRÍTICAS | Chinatown

Capricho do destino ou simples coincidência, o que é certo é que Chinatown, o último filme realizado por Roman Polanski em solo americano, foi uma homenagem a um dos géneros clássicos de – o film-noir. E, apesar da cor, Chinatown é o melhor exemplo do que foi e deve ser o neo-noir: filmes que mantêm a atmosfera preto-e-branco do noir (a cena inicial é toda ela um tratado do género, com as sombras das cortinas a cortarem Jack Nicholson) e o estilo do policial, sem recorrer à violência mais gráfica (mas vai haver misoginia) e com muitos esqueletos no armário. Além disso, Polanski ainda inova em algumas particularidades, como o facto de dispensar o narrador, o que nos dá a possibilidade de irmos avançando no filme ao mesmo tempo que o seu protagonista. 

E o protagonista é Jake Gittes (Jack Nicholson num pouco habitual underacting), um ex-polícia de Chinatown e actual detective privado, que ganha a vida a desmascarar casos de infidelidade conjugal. No entanto, quando uma falsa esposa o contrata para investigar um alegado caso do poderoso Hollis Mulwray (Darrell Zwerling), o milionário presidente da Companhia Hidráulica de Los Angeles, Jake vai envolver-se numa complexa conspiração que envolve especulação imobiliária (sempre esse grande vilão) e tráfico de água numa Los Angeles em seca.

Jack Nicholson estava no pico da sua carreira e leva o filme nos próprios ombros, ele que está em todas as cenas, incluindo grande parte do tempo com um enorme penso no nariz – uma opção arriscada de Polanski em desfigurar o seu protagonista (e galã). Aliás, é o realizador que faz uma perninha para vir cortar o nariz a Nicholson, numa cena em que lhe dá uma chinada que, em termos de mitologia cinematográfica, só é ultrapassada pela fala final: forget it Jake, it’s Chinatown.

Apesar de ser um policial, Chinatown é um filme extremamente depressivo e trágico – as personagens, apesar de atravessarem vários estados emocionais, são sempre figuras infelizes – que tanto flirta com corrupção e tráfico de influências, como com incesto e assassinato. Resultado de terem todos um passado censurável e escondido, outra das marcas do film-noir. E resultado de haver um vilão forte (John Huston, claro) e uma femme fatale realmente… fatal (Faye Dunaway). Além de ser um filmão, Chinatown é, por isso, também um filme do seu tempo como poucos o foram (incluindo o facto de se inserir na tradição dos filmes de conspiração dessa década).

Apesar da intriga complexa e intrincada, que se emaranha mais sempre que a estamos quase a conseguir desatar, Chinatown é um filme relativamente fácil de seguir e acompanhar. É, provavelmente, o filme mais bem escrito de sempre e já estou a contar com O Padrinho. E, curiosamente, também era para ter sido a primeira parte de uma trilogia, da qual ainda teve um segundo tomo, realizado pelo próprio Jack Nicholson – o dispensável O Caso da Mulher Infiél. Nada dispensável é, contudo, este McRoyal Deluxe.

Título: Chinatown
Realizador: Roman Polanski
Ano: 1974

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