ACADEMIA DE POLÍCIA
Se os anos 70 foram de ascensão dos movie brats, os anos 80 foram de consolidação. E foi a década em que os misfits tomaram o controle, numa espécie de vingança dos nerds. Em 1984, precisamente, estreia A Revolta dos Marados (dos nerds, no título original) e, quase em simultâneo, Academia de Polícia, dois filmes sobre a afirmação de todos os inadaptados.
Academia de Polícia abre com uma mensagem que despacha logo qualquer contextualização. Numa cidade que nunca é nomeada – o que faz com que este filme seja sobre todos os inadaptados do mundo -, a polícia abre portas a todo o tipo de candidatos, numa medida cem por cento inclusiva. À academia começam então a surgir todo o tipo de desajustados.
Apesar de se limitar a jogar com os arquétipos que cria, Academia de Polícia cria uma equipa de personagens incomparável: um tipo que consegue imitar todo o tipo de sons com a boca (Michael Winsolw); um maluquinho das armas (cujo nome, Tackleberry, tornar-se-ia mesmo adjectivo para apelidar… maluquinhos das armas) (David Graf); um playboy com sotaque latino manhoso, que é um chick magnet (Andrew Rubin)… E depois Mahoney (Steve Guttenberg), um espertalhão que vai ali parar para escapar à prisão, mas que acaba por se afeiçoar ao uniforme e tornar-se no líder do grupo.
É uma comédia simples e pateta, feita sempre à base de gags de humor de enganos, mas sem ser escatológica ou ofensiva. No entanto, tem sempre um toque de transgressão, como se estivesse a fazer algo de muito errado e nós fossemos um aliado a encobrir a desfaçatez. E apesar de ser um feelgood movie, não deixa de ter o seu momento de seriedade, ao castigar seriamente um insulto racista, com o ex-jogador de futebol americano Bubba Smith a puxar dos galões para proteger a pequenina Hooks (Marion Ramsey).
Academia de Polícia é o primeiro de sete filmes, mas tem logo aqui algumas das cenas mais míticas de toda a saga, nomeadamente o discurso do Comandante Lassard (George Gaynes a seguir a tradição de actores respeitáveis e grisalhos a mudarem-se para a comédia; o que não deixa de ser curioso tendo em conta que este papel seria inicialmente para Leslie Nielsen) enquanto recebe sexo oral [ihihi] e, claro, o Blue Oyster Bar, o mais famoso bar gay do cinema. Há ainda uma muito jovem Kim Catrall, muito antes de O Sexo e a Cidade, que antes já tinha entrado nesse outro filme de transgressão juvenil, Porky’s.
O mítico Roger Ebert deu uma muito famosa avaliação de zero estrelas a Academia Polícia, que dizia não perceber como é que um teen movie com polícias (em dormitórios e tudo) que não satirizava nenhum filme de polícias podia ter graça. Mas… who the fuck is Roger Ebert e que sabe ele disto? Academia de Polícia é um clássico e um McRoyal Deluxe que nunca envelhece. Antes pelo contrário, só fica melhor com o tempo.
Título: Police Academy
Realizador: Hugh Wilson
Ano: 1984
ACADEMIA DE POLÍCIA 2 – A PRIMEIRA MISSÃO
Depois do sucesso incrível de Academia de Polícia (o filme mais visto de sempre na Alemanha há data, por exemplo), era inevitável uma sequela. Que surgiu logo no ano seguinte, fiel à máxima em equipa que ganha não se mexe. Assim, repetiu-se a equipa, mas dispensando-se aqueles que pareciam ter sido os elos mais fracos (ficou a sentir-se a falta de Kim Catrall e de mais tempo de antena de George Gaynes) e introduziram-se novas.
No entanto, se a ideia era agitar as águas e dar um ar de novidade, todas as personagens novas acabaram por ser totalmente esquecíveis: um comilão porcalhoto, uma versão feminina do Tackleberry e uma versão mais velha de Fackler (Bruce Mahler), o desajeitado do grupo. Salva-se então Sweetchuck (Tim Kazurinsky), um cidadão anónimo a quem acontece de tudo durante o filme (o que é uma piada divertida, diga-se); e Zed (Bob Goldthwait), a grande conquista de Academia de Polícia 2, na pele do líder da gangue de bandidos e que é uma versão punk do Diabo da Tasmânia.
Nesta tentativa desesperada de fazer render o peixe, Academia de Polícia 2 é ainda mais esquemático, exclusivamente apoiado em gags, mas agora muitos deles sem graça. Além disso, repete desavergonhadamente alguns dos momentos memoráveis do primeiro filme – a linha da pequenina Hooks don’t move, dirtbag! ou o Blue Oyster Bar -, num aproveitamento fácil das piadas já feitas, limitando-se a accionar o reconhecimento automático do espectador.
Nesta sequela, em que os recém-formados agentes vão ter a sua primeira missão nas ruas, é Hightower (Bubba Smith, o ex-jogador de futebol americano que teve o único momento sério da saga no primeiro filme) quem ganha mais visibilidade, com um par de referências à sua carreira anterior. Mas falta a Academia de Polícia 2 uma visão de grupo que seja aglutinador e que transforme todo este apanhado de clichés num filme uno. Sabe deus como é que, mesmo assim, ainda sacou um Cheeseburger.
Título: Police Academy 2 – Their First Assignment
Realizador: Jerry Paris
Ano: 1985
ACADEMIA DE POLÍCIA 3 – DE VOLTA AOS TREINOS
Para o terceiro tomo de Academia de Polícia procurou-se não inventar muito e regressou-se à fórmula vencedora do primeiro episódio. Assim, criou-se uma disputa entre a academia do Comandante Lassard e a do Comandante Mauser (Art Metrano), que regressava assim para assumir o papel de vilão da contenda, enquanto o primeiro chamava Mahoney e os amigos para virem treinar mais uma fornada de inadaptados.
Academia de Polícia 3 é um remake do primeiro, mas com mais personagens. O problema é que estas são a) as do segundo filme (Zed, Sweetchuck e até as mais desinteressantes, como o irmão da mulher de Tackleberry(!)) e b) novas que não interessam nem ao menino de Jesus. E a verdade é que elas nem sequer entram realmente no filme, exceptuando Nagata (Brian Tochi), o cadete japonês que serve apenas para escoar de uma só vez todos os arquétipos racistas e xenófobos numa única personagem. Ah, e volta Callahan (Leslie Easterbrook), a escultural tenente que falhara o segundo tomo por estar grávida.
Academia de Polícia 3 é apenas a sucessão dos gags que ficaram de fora nos dois filmes anteriores, mas agora com os novos cadetes. Além disso, algumas são verdadeiramente aleatórias, como um combate de boxe(?), enquanto que outras são apenas reciclagem de piadas antigas, como a prostituta do primeiro filme, a pequenina Hooks a conduzir ou o Comandante Mauser a ficar sem sobrancelhas, quando no outro filme tinha perdido o cabelo…
A única parte realmente nova é o final, com uma perseguição dos agentes a uns bandidos em jet-skis, mas que não chega para que Academia de Polícia 3 seja o menos sem graça e o mais preguiçoso dos filmes até à data. Quem diria que, no futuro, ainda iria conseguir descer mais baixo do que o Happy Meal? (na realidade, toda a gente!)
Título: Police Academy 3 – Back in Training
Realizador: Jerry Paris
Ano: 1986
ACADEMIA DE POLÍCIA 4 – A PATRULHA DO CIDADÃO
Academia de Polícia 4 começa por parecer querer romper finalmente com a estrutura dos filmes anteriores, introduzindo novas personagens e, que ousadia!, uma história. Introduz o debutante David Spade, um rebelde skater adolescente (que tem Tony Hawk como parceiro), e, mais tarde, há de introduzir uma jovem Sharon Stone, que vai ser o novo interesse romântico de Mahoney.
Quanto à história, esta anda em redor de um programa inovador criado pelo Comandante Lassard, chamado pertinentemente de C.O.P . – as iniciais de citizens on patrol -, que consiste em treinar cidadãos comuns e coloca-los na rua com os polícias, numa estratégia de proximidade. Mas esperem aí! Treinar cidadãos? Onde é que já vimos isto?
Academia de Polícia 4 volta então à estrutura do costume, regressando pela última vez aos dormitório de Academia de Polícia original, onde a patrulha vai treinar os tais cidadãos, reciclando todos os gags dos filmes anteriores. Tudo isto ao mesmo tempo que o Capitão Harris (G. W. Bailey) tenta sabotar tudo, como é seu apanágio.
Desta vez, Harris não perde nenhuma parte do seu couro cabeludo ou capilar como acontecia ao seu antecessor, mas fica com o megafone colado à boca; Callahan chega ao topo da sua objectificação, com uma cena na piscina sem soutien e de t-shirt branca translúcida; e o Blue Oyester Bar fará a sua última aparição. Como vêm, imaginação era uma coisa que faltava aos argumentistas.
O filme mantém o núcleo duro dos últimos filmes, que começava assim a afirmar-se – Mahoney, Jones, Tackleberry e Hightower, a quem se juntava Zed e Sweetchuck -, mais uma velhinha doida por armas (onde é que já vi isto?) e uma namorada para Zed. Era portanto difícil a Academia de Polícia 4 ter algum momento memorável, que se juntasse ao imaginário da saga. O melhor que consegue é trocar a perseguição final em jet-skis de Academia de Polícia 3 por uma perseguição final a ninjas(!) em balões de ar quente. Incrível como isso chega para o Cheeseburger, não é?
Título: Police Academy 4 – Citizens on Patrol
Realizador: Jim Drake
Ano: 1987
ACADEMIA DE POLÍCIA 5 – MISSÃO EM MIAMI
Ao quinto episódio e à velocidade de um por ano já não dava mais para reciclar o mesmo filme. Por isso, foi preciso mudar de ares. Agarrou-se na troupe do costume e foi-se para a balnear Miami, para uma condecoração pré-reforma do Comandante Lassard. E, depois, ensaiou-se uns diamantes roubados e o rapto do próprio Lassard, numa intriga tão pateta quanto toda a saga até ao momento.
Fora isto, tudo igual. O Capitão Harris foi também na viagem, para servir de vítima aos gags; como Mahoney não aceitou renovar contrato, arranjou-se uma versão genérica no Wish da altura (Matt McKoy); e desencantou-se uma tal de Janet Jones, espécie de Sharon Stone dos pobres. Manteve-se do núcleo duro Tackleberry, Hightower, Jones, Hooks e Callahan. Perdeu-se ainda na espuma dos dias Zed e, consequentemente, Sweetchuck, já que este segundo só funcionava com o primeiro. Mas tentou-se aproveitar House (Tab Thacker), uma personagem tão desinteressante que só espanta como é que alguém achou que seria boa ideia mante-la uma segunda vez.
Academia de Polícia 5 mantém a sua trajectória desentende de patetice, cada vez com mais caretas e sons de desenhos-animados, com gags que esticam os arquétipos aos limites do suportável. Mesmo assim, tem dois momentos que entram para a mitologia da série: Tackleberry a expulsar um tubarão branco da praia com uma magnum encostada ao nariz; e Hightower a lutar com um jacaré.
Lassard, mesmo com piadas muito fraquinhas, é o grande protagonista deste episódio e todo esse tempo de antena extra é o melhor de Academia de Polícia 5. E termina tudo numa perseguição de barco pelo bayou, tão esquecível quanto o Happy Meal que já havíamos encomendado para outro filme anterior qualquer.
Título: Police Academy 5 – Assignment: Miami Beach
Realizador: Alan Myerson
Ano: 1988
ACADEMIA DE POLÍCIA 6 – CIDADE SITIADA
E chegados ao sexto episódio, os polícias comportam-se finalmente como polícias e saem da academia para terem uma missão a sério. Aliás, o subtítulo impõe logo respeito: cidade sitiada. Isso significa que vamos vê-los, por fim, a pôr em prática aquilo que aprenderam ao longo dos cinco episódios anteriores, na tentativa de porem termo a uma vaga de crimes sem fim que assola a cidade.
Academia de Polícia 6 parodia finalmente o filme de género, tendo inclusive um final à Scooby-Doo, com máscaras e tudo, e um vilão misterioso como no Inspector Gadget. Além disso, seria ainda honrada outra tradição do cinema policial norte-americano: por trás de todo o plano do maquiavélico vilão, está um diabólico esquema imobiliário, o principal leitmotif dos grandes vilões americanos (Lex Luthor que o diga).
Por fim temos um episódio da Academia de Polícia que não inventa personagens novas. Além de manter o núcleo duro do anterior, repesca ainda Flacker, o que se revela uma decisão acertada, já que é uma das personagens mais subvalorizadas da saga. Ah, e mantém o Comandante Lassard, ignorando que, no último filme, ele se iria reformar.
Academia de Polícia 6 é tão inovador que até os vilões têm alguma espessura. São eles uma espécie de arquétipos em negativo dos agentes Tackleberry, Jones e Hightower. Curiosamente, apesar de tudo isto, este seria o maior fracasso de toda a série, levando inclusive ao cancelamento da mesma. Infeliz Cheeseburger, merecia melhor sorte.
Título: Police Academy 6 – City Under Siege
Realizador: Peter Bonerz
Ano: 1989
ACADEMIA DE POLÍCIA 7 – MISSÃO EM MOSCOVO
Depois de 6 filmes em 6 anos e, mesmo com o fiasco de Academia de Polícia 6, ainda haveria tempo para um derradeiro tomo da saga. Afinal de contas, o produtor Paul Maslansky sonhava com um grand finale, que pudesse reunir a equipa toda (principalmente Mahoney, cujo abandono tinha sido o princípio do fim). Afinal, Academia de Polícia 7 seria apenas um épico tiro de pólvora seca e, pior ainda, um miserável straight-to-video.
Academia de Polícia 7 cumpre o sonho de Maslansky em internacionalizar a saga. As opções eram o Reino Unido ou a Rússia. Ganhou o segundo, sabe deus como. Além de ter sido apenas o segundo filme a obter permissão para filmar na Praça Vermelha (tendo sido o primeiro Outubro Vermelho), a Rússia estava, na altura (e literalmente), a ferro e fogo, com uma espécie de golpe de Estado do Partido Comunista a Boris Ieltsin. E, mesmo assim, fez-se Academia de Polícia 7 na terra dos sovietes. O mundo é mesmo um local estranho…
O Comandante Lassard vai então responder ao repto do amigo Comandante Rakov (Cristopher Lee) e levar a sua equipa até à Rússia, para apanhar um mafioso local (Ron Perlman), que acabou de inventar o jogo de computador mais viciante da história. No fundo, é apenas uma forma fácil de justificar uma série de gags estereotipados sobre os russos, ao abrigo de um humor de choque de culturas.
Além de não ter conseguido convencer Mahoney a regressar, Academia de Polícia 7 perde ainda dois nomes fortes do núcleo duro. Hightower recusou-se a participar, em solidariedade para com Hooks, deixada de fora pelos argumentistas. Mais uma vez, a realidade a imitar a ficção e o que acontecia no primeiro Academia de Polícia a cumprir-se na vida real.
Entra então em cena um cadete novo (Charlie Schlatter), mas é nos secundários que estão as surpresas, com os já citados Ron Perlman e Cristopher Lee. E se o primeiro, pronto, ainda aceitamos, o que raio passou pela cabeça de Sir Cristopher Lee? Aliás, o filme acaba com Sir Cristopher Lee a beijar George Gaynes na boca. Correcção: a saga Academia de Polícia termina com Sir Cristopher Lee a beijar George Gaynes na boca(!).
Academia de Polícia 7 é um episódio cansado, onde todos estão a fazer um frete. Callahan já não tem paciência para a enésima piada com as suas mamas, Lewis nem sequer faz o seu habitual número de kung fu e Tackleberry tem que substituir Hightower nas cenas que já estavam escritas para ele. Tudo muito confrangedor. Toda a saga sempre foi pateta, mas mesmo para esse nível Academia de Polícia 7 é uma desilusão. Em 1994 havia mesmo necessidade de mais esta Hamburga de Choco?
Título: Police Academy 7 – Mission Moscow
Realizador: Alan Metter
Ano: 1994