Logo no início de Relic, a polícia telefona a Emily Mortimer para lhe dizer que os vizinhos há muito tempo que não vêm a sua mãe (Robyn Nevin) e que estão preocupados com ela – as vantagens de se viver num sítio pequeno. Mais tarde, já depois de Emily e a filha (Bella Heathcote) terem ido da cidade até à casa da mãe à sua procura, o mesmo gente há de lhe perguntar quando foi a última vez que falaram. “Há umas semanas atrás. O trabalho, sabe como é…”, responde-lhe ela, justificando-se ao mesmo tempo como quem percebe logo o julgamento na pergunta. A partir dali, a culpa nunca mais desaparecerá.
Robyn Nevin há de aparecer e a filha e a neta ficarão duas semanas a viver consigo. Apesar dos seus 80 anos, parece que está tudo bem consigo, excepto algumas falhas de memória. Mas onde é que será que ela esteve durante tantos dias? E com quem é que ela fala sozinha, às vezes? Será a demência a começar a manifestar-se? Ou os barulhos estranhos que se ouvem pela casa terão alguma coisa a ver? À primeira vista parece que não há nada de sobrenatural em Relic, mas todos sabemos que, quando há uma casa grande e velha na equação, normalmente existem também forças ocultas, seres do além e outras assombrações. Nem sequer era preciso todo aquele design de som ameaçador.
O cinema de terror (pelo menos o melhor e o mais eficaz) sempre serviu para dar corpo aos nossos maiores receios e traumas. E é isso que faz Relic, ao ir repescar o antigo género da casa assombrada para se atirar de cabeça a um filme sobre a culpa e o ressentimento familiar. Relic é um filme sobre três mulheres, de três gerações diferentes: avó, mãe e filha. E todas elas têm fantasmas no armário, que depois se manifestam exteriormente. E num estranho caso de bolor.
No entanto, mais do que uma casa assombrada, aqui é a própria casa a ameaça. É ela o opressor, que metamorfoseia, respira e se manifesta. A casa assombrada não é nada mais do que uma casa habitada por sombras, mas aqui a arquitectura ganha vida, faz prisioneiros e vítimas. No entanto, Relic não é um filme de terror de sustos e jump scenes. É um thriller psicológico, mais sugestivo do que gráfico, que não se limita ao habitual jogo de fantasmas. Há aqui traumas recalcados e toda a gente sabe que isso é o mais assustador da vida. Isso e estar na fila para pagar o McBacon e perceber que nos esquecemos da carteira dentro do carro.
Título: Relic
Realizador: Natalie Erika James
Ano: 2020
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