| CRÍTICAS | Her Smell – A Música nas Veias

O biopic musical, com todas as suas contradições e clichés, tem-se mantido praticamente estático desde… sempre? Contam-se pelos dedos das mãos as excepções que vão confirmando a regra: Velvet Goldmine, I’m Not There – Não Estou Aí… E, no entanto, 2019 teve logo dois títulos que injectam vitalidade a este género: Vox Lux e este Her Smell – A Música nas Veias.

Somos atirados para o meio de Her Smell – A Música nas Veias de chofre, como se aterrássemos num filme de Gaspar Noé: a câmara ao ombro, muita proximidade (quase que cheiramos o suor e as lágrimas espirram em nós) e uma crueza agreste e áspera. Estamos nos bastidores de um concerto das She Something, power-trio de riot-grrl liderado por Becky Something (Elisabeth Moss), onde vemos inevitavelmente ecos de Courtney Love e de Axl Rose. Ainda vemos o encore, mas rapidamente estamos nos bastidores onde hell breaks lose.

Becky Something está um caco: percebemos que há muito que se afundou no caldeirão das drogas e a sanidade mental está a estoirar os últimos cartuchos. E a sua exuberância esgota tudo à sua volta: as companheiras da banda (Cara Delevingne e Gayle Rankin), o ex-marido (Dan Stevens), a filha bebé, o xamã(?) (Eka Darville) e o manager (Eric Stoltz). Becky e as Something She já estiveram no topo e este não é um biopic sobre a ascensão e queda de uma banda; é sobre a queda e redenção.

Não conseguimos deixar de nos sentir um voyeuristas neste filme de Alex Ross Perry. Dividido em cinco longas sequências, sempre com Becky como peça central ao longo de um período de tempo alargado (e Elisabeth Ross tem aqui um daqueles papeis de uma vida), Her Smell – A Música nas Veias alterna óptimos momentos com outros em que custa a entrar naquela carapaça, como se estivéssemos ali a mais. É, mais ou menos, o mesmo sentimento dos filmes de Gaspar Noé…

Já quando as coisas estão mais calmas, Elisabeth Moss saca ainda um momento anacrónico que vale o filme: ao piano, saca uma versão de Heaven, de Bryan Adams, que nos leva imediatamente para aquela mítica cena de Romain Duris a cantar o Cambodia, da Kim Wilde, no Em Paris. Isso tem um impacto ainda maior porque todo o filme recria um imaginário punk e grunge muito bem esgalhado, com capas de discos e cartazes de concertos a condizer e tudo.

Entre o sensacionalismo e a reflexão existencialista sobre os meandros da fama e do mundo rock, Her Smell – A Música nas Veias é uma variação do biopic musical bem esgalhada, que não se costuma encontrar muito. Pode não ser a mais equilibrado de todas, mas pela ambição (e pela prestação de Elisabeth Moss) vale o McChicken e, se calhar, até mais que isso.

Título: Her Smell
Realizador: Alex Ross Perry
Ano: 2018

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