| CRÍTICAS | Testemunha de um Crime

Talvez cansado com as comparações com Alfred Hitchcock, Brian de Palma decidiu às tantas arrumar com a questão. Para isso agarrou em Janela Indiscreta, A Mulher Que Viveu Duas Vezes e Psico, juntou numa misturado e, violá!, eis Testemunha de um Crime, o filme onde concentrava de uma só vez todas as influências do mestre. A coisa não resultou, como se sabe (De Palma continua a ser comparado a Hitchcock em todos os textos que se escrevem sobre ele), mas valeu a intenção.

Jake (Craig Wasson) é um jovem aspirante a actor, a quem a vida não corre muito bem. Acabou de ser despedido do único filme onde conseguiu arranjar trabalho, um série b manhoso com vampiros, por ser claustrofóbico, e a mulher pôs-lhe um par de cornos, levando-o a sair de casa sem tem para onde ir. Jake é assim o herói improvável de Testemunha de um Crime, um homem comum como todos os heróis dos filmes de Alfred Hitchcock.

O cenário está preto, mas um encontro fortuito parece mudar a situação. Ao fazer amizade com outro aspirante a actor, Sam (Gregg Henry), Jake arranja um sítio para ficar, se bem que ainda de forma temporária. Vai cuidar da casa de um ricaço qualquer, enquanto este está na Europa. É um casarão modernista, em forma de disco voador, no topo de uma colina na Califórnia. E é daqueles janelões que Jake vai ser… testemunha de um crime.

Da janela, qual mirone pervertido, Jake desenvolve uma obsessão pela vizinha da frente (Deborah Shelton) – estão a ver a influência de Janela Indiscreta? -, que se exibe à janela com uma coreografia masturbatória. Ao mesmo tempo, apercebe-se que um índio assustador, cheio de cicatrizes, a observa e a pretende assassinar. Jake vai então persegui-la, para tentar impedir o crime, mas como a avisar sem parecer um pervertido que a está a perseguir?

É a melhor altura de Testemunha de um Crime, onde Brian de Palma se sente como um peixe na água, tirando todo o partido dos longos planos-sequência e da mise en scene. Há sequências de perseguição que se desenvolvem por vários minutos, sem diálogos, que são uma aula de cinema de suspense, onde De Palma esculpe o tempo com precisão, comprimindo-o e distendendo-o à medida com que joga com o espectador. Depois, Deborah Shelton morre, numa macabra cena em que De Palma dá liberdade à sua costela de série b (com um berbequim fálico, que grita sexualidade por todo o lado), e ainda nem estamos a meio do filme – estão a ver a influência de Psico?

A segunda metade de Testemunha de um Crime é então Jake a descobrir-se envolto numa teoria da conspiração complexa, que envolve uma dupla da assassinada. É a jovem Melanie Griffith, que vai enrolar Jake numa trama tão irrealista, quanto complicada, daquelas que só funciona se não pensarmos muito nela (tipo Intriga Internacional, já que estamos a falar de Hitchcock). É a influência de A Mulher Que Viveu Duas Vezes, claro, mas a temática da duplicidade sempre foi uma constante na obra de De Palma (alguém mencionou Sisters?).

Infelizmente, a segunda parte de Testemunha de um Crime não tem o mesmo interesse da primeira. É como se fossem dois filmes diferentes num só, ligados por um plot twist demasiado forçado para ser verdade. Mas a primeira parte vale por interino um McChicken. Por sua vez, a segunda vale apenas pela caracterização de Gregg Henry e pela cena pós-créditos, em que mais uma vez Brian De Palma se diverte em ensaiar o tal filme dentro do filme de vampiros série b.

Título: Body Double
Realizador: Brian de Palma
Ano: 1984

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