Se olharmos para Ida, o filme anterior que pôs o nome de Pawel Pawlikowski no mapa, podemos dizer que Cold War – Guerra Fria é uma espécie de sequela. Pelo menos do ponto de vista forma: filmado a preto e branco altamente contrastado, num formato 4:3 bem quadradão e novamente a Polónia de ontem como pano de fundo. Ficamos a aguardar pelo próximo trabalho para perceber se isso tem a ver com o facto de Pawlikowski ter encontrado o seu estilo ao regressar à Polónia natal, depois de um início de carreira no Reino Unido (onde tem uma pérola chamada Amor de Verão), ou se isso é apenas consequência do sucesso do filme anterior.
Cold War – Guerra Fria é um épico amoroso, ao longo dos anos 50 e 60, entre Wiktor (Tomasz Kot) e Zula (Joanna Kulig), marcado pela separação, às vezes forçada, outras vezes voluntária. Apesar de ser um amor quase fatalista, a relação dos dois alimenta-se da ausência e é por isso que, quando estão juntos, a coisa parece soçobrar. Afinal de contas, a guerra fria do título refere-se ao casal, numa guerra muda entre ambos, e não à guerra fria que se desenrolava entre o Leste e o Ocidente durante aquele período de tempo.
Cold War – Guerra Fria começa na Polónia profunda, onde Wiktor e Irena (Agata Kulesza) armam-se em Michel Giacometti e andam a recolher exemplos de cantigas populares e de trabalho, antes que caiam no esquecimento, para formarem um grupo folclórico. É aí que entra em cena Zula, uma jovem misteriosa, que consta que matou o pai e que se faz passar por camponesa para entrar para o grupo. Oportunista ou algo mais? O certo é que a nossa curiosidade, tal como a de Wiktor, já está fisgada e já não vamos conseguir desligar mais.
O que é certo é que, quando Wiktor dá o salto para Paris, e Zula se separa pela primeira vez, o filme nunca mais se vai separar deles. As personagens secundárias desaparecem e, com elas, os sub-enredos também, o que faz com que Cold War – Guerra Fria seja obsessivo sobre aquela relação amorosa. Se, por um lado, isso concentra todas as atenções do filme neles, por outro acaba por lhes retirar por nunca se desviar nem um milímetro para respirar. Felizmente o filme é curto e isso é, simultaneamente, a sua maior força e fraqueza.
Cold War – Guerra Fria é ainda um filme extremamente musical e, um dia, alguém ainda escreverá uma tese de mestrado sobre como Pawlikowski utiliza a música como metáfora para o contexto socio-cultural das suas personagens. Quando começa, enfiado na Polónia rural dos tempos do comunismo, é o folclore que pauta o ritmo; depois, quando Wiktor se exilar em França, é o jazz e o be-bop que saltam para a banda-sonora; quando Zula se junta a Wiktor e a relação dos dois choca violentamente, a chanson francesa e, especialmente, o rock’n’roll recém-aparecido de Bill Halley é quem marca o ritmo; e, finalmente, quando ambos regressam à Polónia, para entrarem no estádio final da sua relação, é o calipso e a canção de cabaret que faz as honras.
Inspirado pela história dos próprios pais, Patel Pawlikowski faz aqui a sua trilogia Before, mas concentrada num só filme. Com uma fotografia cuidada, sempre a remeter para um tempo já passado (o 4:3 encerra constantemente as personagens e as cenas em Paris gritam nouvelle vague e Jean-Luc Godard por todos os lados), Cold War – Guerra Fria é um filme que fala dos grandes temas da Humanidade – o amor, sempre o amor – através dos pequenos gestos. E quem é que não gosta disso? Quem é que não gosta de McRoyal Deluxes?
Título: Cold War
Realizador: Pawel Pawlikowski
Ano: 2018